SOMOS HISPANOS, MAS NÃO SOMOS ESPANHÓIS. OU SOMOS? – por Carlos Loures



D. Afonso, per graça de Deus Rei de Castela e de León e de Portugal e de Toledo e de Galiza e de Sevilha e de Córdova e de Murcia e de Jaen e dos Algarves daquém e dalém-mar em África e da Aljazira e de Gibraltar e Senhor de Biscaia e de Molina. Durante muitos meses, no ano de 1475, na sequência do episódio da Beltraneja, o nosso D. Afonso V usou estes títulos. Era vulgar as insígnias reais conterem este tipo de bazófias. Por isso, o facto de os reis católicos designarem por Espanha o conjunto de Castela e Leão e de Aragão, correspondia ao costume da época.


A um professor da Universidade de Barcelona ouvi falar de uma carta de D. João II a seus primos Isabel e Fernando, censurando-lhes o atrevimento de designarem por Espanha o conjunto dos seus dois reinos. Uma frase que circula na rede em português e em castelhano “Falai de castelhanos e de portugueses, porque espanhóis somos todos”,é atribuída a Camões. E há uma citação de Almeida Garrett – «Nem uma só vez se achará em nossos escritores a palavra «espanhol» designando exclusivamente ao habitante da Península não português.» (…)«Aragoneses, Castelhanos, Portugueses, todos éramos, por estranhos e próprios, comummente chamados «espanhóis» assim como ainda hoje chamamos «alemão» ao Prussiano, Saxão, Hannoveriano, Austríaco: assim como o Napolitano, o Milanês, o Veneziano e o Piemontês recebem indistintamente o nome de Italianos.»(…)« Mas espanhóis somos, de espanhóis nos devemos apreciar todos os que habitamos à Península Ibérica: Castelhanos nunca».


E temos palavras de Menéndez Pelayo: “El nombre de España, que hoy abusivamente aplicamos al reino unido de Castilla, Aragón y Navarra, es un nombre de región, un nombre geografico, y Portugal es y será tierra española, aunque permanezca independiente por edades infinitas;»


Porque o projecto de reunir na mesma cabeça a coora de todos os reinos peninsulares, não era pecado exclusivo de Isabel e de Fernando. D. João II, quando casou o infante D. Afonso com Isabel de Aragão, a filha mais velha dos reis católicos, ambos ianda crianças, acalentava o mesmo sonho – o de pôr toda a Península com um rei português. O irmão de Isabel de Aragão, Juan era uma criança enfermiça que se chegasse à idade adulta não teria capacidade para reinar. Mas o infante português caiu de um cavalo e morreu. Os reis católicos tentaram junto do Papa a dissolução do casamento, mas não conseguiram. A queda do cavalo deu lugar a especulações. Aquilo a que hoje chamaríamos «teoria da conspiração»


A carta do Príncipe Perfeito não aparece, a frase de Camões não a consigo localizar e a citação de Garrett, dizem estar retocada por Menéndez Pelayo. Mas nenhum destes documentos, imaginários, existentes, apócrifos ou reais, vai no sentido de nos espanholizar na acepção que Saramago e Artur Pérez-Riverte defenderam – o da integração pura e simples de Portugal como região autonómica. Apenas se diz o óbvio – somos todos hispanos. Hispanos, mas nunca castelhanos, como terá dito Garrett.