Importa salientar alguns matizes que portem realismo a este idealístico retrato da moderna Angola:
1 - Esta requalificação urbanística de Luanda, por muito boa que possa ser, só vem acentuar as abissais diferenças entre a capital e o resto do território angolano. Angola tem uma capital sobrepovoada, megalómana, fruto da herança colonial portuguesa (sem dúvida!) mas muito agravada pelos fluxos migratórios resultantes da longa guerra civil, fomentados pelo próprio partido governamental, o MPLA, para melhor controlar a população. Em Luanda coexistem a mais alta finança, o mais espaventoso poder económico e, bem perto, a mais lamentável miséria de cerca de 4 milhões de luandenses. Considerando que, mesmo assim, Luanda apresenta um nível de desenvolvimento que dista anos luz do resto do território, podemos ter uma noção do desequilíbrio e instabilidade político-social inerentes ao presente cenário de crescimento de Angola
2 - O extraordinário crescimento económico registado desde o fim da guerra civil, que reflecte a fabulosa dotação de recursos naturais daquele país, não está a gerar factores de reforço dos termos de troca internacionais, não está a ser canalizada para a qualificação da população - particularmente a rural - não está a gerar uma efectiva melhoria de vida do povo angolano nem a pacificar etnicamente o território. Esse crescimento tem sido muito ilusório, absorvido em grande parte por uma mórbida corrupção e empregue em outra parte para manter a fachada ilusória da nova Luanda.
3 - Angola tem feito, nos últimos anos falsos e perigosos amigos. De entre eles, o pior: a China. Angola é o maior fornecedor de petróleo à China e esta é já a maior potência investidora em Angola. Os financeiros e empresários chineses compreenderam que a corrupção é a porta privilegiada de acesso ao mercado angolano e, dominando perfeitamente esse processo, conseguiram uma posição dominante naquele país. Já há, em Angola, cidades inteiramente chinesas, construídas de raiz e habitadas quase inteiramente por chineses que ali trabalham. Mais um factor de diferenciação e de quase "apartheid", como nunca aconteceu no período de colonização portuguesa.
4 - Este barril de pólvora social terá, em breve, uma prova de fogo: o corruptíssimo José Eduardo dos Santos teve o condão de conseguir, ainda que pela força das armas e da crueldade, pacificar o país e dar-lhe alguma estabilidade política. Está anunciada para breve a sua retirada política. Quem lhe sucederá é ainda uma incógnita, e é previsível que venha a resultar de uma luta pretoriana pelo poder de consequências imprevisíveis, sobretudo quando estamos a falar de um país com 10 etnias negras, algumas altamente conflituantes, a somar a brancos e mestiços. A somar ao realpolitik africano juntam-se as tomadas de posição dos diferentes interessados na arca dos tesouros angolana - americanos, chineses, brasileiros, franceses, ingleses, sul-africanos, portugueses, espanhóis e cubanos...
Angola é uma terra fascinante: mas que tem um futuro imprevisível e incerto...
Marcadores