Da Realeza de Cristo




Carlos Nougué



“Dizei às nações: O Senhor é rei. [...] / Jubilem todas as árvores das florestas / com a presença do Senhor, que vem, pois ele vem para governar a terra: julgará o mundo com justiça, e os povos segundo a sua verdade.”
Salmo 95

“Foi-me dado todo o poder no céu e na terra: ide, pois, e instruí todas as nações.”
Nosso Senhor Jesus Cristo,
Evangelho de São Mateus

“Uma coisa é, para o príncipe, servir a Deus na qualidade de indivíduo, e outra fazê-lo na qualidade de príncipe. Como homem, ele o serve vivendo fielmente; como rei, fazendo leis religiosas e sancionando-as com um vigor conveniente. Os reis servem ao Senhor enquanto reis quando fazem por sua causa o que só os reis podem fazer.”
Santo Agostinho,
Carta ao Governador Bonifácio


“É necessário que o fim da multidão humana, que é o mesmo que o do indivíduo, não seja viver segundo a virtude, mas antes, mediante uma vida virtuosa, alcançar a fruição de Deus.”
Santo Tomás de Aquino,
De regno

“[A Igreja tem em seu poder dois gládios (ou espadas)], o gládio espiritual e o gládio temporal. Mas este último deve ser usado para a Igreja, enquanto o primeiro deve ser usado pela Igreja. O espiritual deve ser manejado pela mão do sacerdote; o temporal, pela mão dos reis e dos soldados, mas segundo o império e a tolerância do sacerdote. Um gládio deve estar sob o outro gládio, e a autoridade temporal deve ser submissa ao poder espiritual.”
Bonifácio VIII,
Unam Sanctam


“O homem é criado para louvar, prestar reverência e servir a Deus nosso Senhor e, mediante isso, salvar sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para o ajudarem a alcançar o fim para o qual é criado. Donde se segue que o homem há de usar delas na mesma medida em que o ajudem a alcançar seu fim, e que ele há de privar-se delas na mesma medida em que dele o afastem.”
Santo Inácio de Loiola,
Exercícios Espirituais

“Se eu conseguir ganhar um rei, terei feito mais pela causa de Deus do que se tivesse pregado centenas ou milhares de missões. O que um soberano tocado pela graça de Deus pode fazer no interesse da Igreja e das almas, milhares de missões jamais o farão.”
Santo Afonso M. de Ligório,
apud P. Berthe, S. Alphonse


“Para os povos como para os indivíduos, para as sociedades modernas como para as sociedades antigas, para as repúblicas como para as monarquias, não há sob o céu outro nome dado aos homens em que eles possam ser salvos além do nome de Jesus Cristo.”
Cardeal Pie de Poitiers,
Discours au Président
de la République (1870)


“Os que no governo dos estados pretendem desconsiderar as leis divinas desviam o poder político de sua própria instituição e da ordem prescrita pela própria natureza.”
Leão XIII,
Libertas præstantissimum


“Na ordem das doutrinas, [o liberalismo] é pecado grave contra a fé [...]. Na ordem dos fatos, é pecado contra os diversos Mandamentos da Lei de Deus e de sua Igreja.”
D. Félix Sardà i Salvany,
El liberalismo es pecado


“Não, a civilização não está por inventar [...]. Ela já existiu, ela existe: é a civilização cristã, a cidade católica. O que falta é instaurá-la e restaurá-la sem cessar sobre seus fundamentos naturais e divinos contra os ataques sempre renascentes da utopia malsã, da revolta e da impiedade: Omnia instaurare in Christo.”
São Pio X,
Notre charge apostolique

“No juízo final, Jesus Cristo acusará os que o expulsaram da vida pública e, em razão de tal ultraje, aplicará a mais terrível vingança.”
Pio XI,
Quas Primas


“Nós percebemos a numerosa classe daqueles que consideram os fundamentos especificamente religiosos da civilização cristã [...] sem valor objetivo [para os dias de hoje], mas que gostariam de conservar o brilho exterior dela para manter de pé uma ordem cívica que não poderia passar sem tal. Corpos sem vida, acometidos de paralisia, são eles mesmos incapazes de opor qualquer coisa às forças subversivas do ateísmo.”
Pio XII,
Discurso à União Internacional
das Ligas Femininas Católicas


“O leigo, em certo sentido, está mais diretamente interessado no desenvolvimento da realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo, e isso na medida mesma em que se encontra mais engajado que o clérigo na ordem social, na ordem civil, na ordem secular, mais engajado nas coisas sociais, mais diretamente interessado em matéria política.”
Jean Ousset,
Pour qu’Il règne




I. Fundamentos teológicos

1. Se o Papa São Pio X determinou para tal ou qual eleição civil que o voto católico deveria dar-se a candidatos menos indignos, cabe-nos conhecer as condições concretas – o contexto – em razão das quais o determinou, para as podermos comparar com as atuais de nosso país e com as de outros. Mas temos, sobretudo, de conhecer os princípios doutrinais em que se baseava para fazê-lo.

2.
Ora, não é difícil saber por que princípios doutrinais se pautava São Pio X. E se o sabemos não podemos senão concluir, segundo tais princípios, que uma coisa é votar num candidato menos indigno, e outra, completamente diferente e indigna do nome católico, é fazê-lo repetindo e propagando ideias perfeitamente anticatólicas como o são as liberais. Vezes sem conta, porém, ouvimos da boca e lemos pela pena de católicos a defesa (ainda que mitigada) da democracia liberal, regime político condenado, todavia, pelo magistério da Igreja – especialmente pelo próprio São Pio X – até que o câncer humanista que já corroía sua hierarquia atingisse, na segunda metade do século XX, o ponto metastático máximo. Repetem-se infaustamente, então, argumentos de notórios liberais, como, por exemplo, o de que a democracia liberal é “melhor” que o comunismo, esquecendo-se de dizer não só que este brotou daquela como de terreno propício, senão que a democracia liberal nasceu e se mantém com um único fim: impedir o reinado político-social de Nosso Senhor Jesus Cristo, para impedir todo e qualquer reinado seu.[1] Não é “só” que seu triste lema “liberdade, igualdade e fraternidade” seja uma caricatura das três virtudes teologais, “fé, esperança e caridade”. É-o, sem dúvida, mas é mais que isso: é a barreira que os poderes infernais e mundanos tentam erguer contra a tripla petição que o nosso mesmo Senhor nos prescreveu: “Sic ergo vos orabitis a) santificado seja o vosso nome; b) venha a nós o vosso reino; c) seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu”.[2]


3.
Pois bem, devemos confessar e divulgar permanentemente a doutrina católica prescrita por Nosso Senhor em seu Pater e desenvolvida pelo magistério da Igreja e pelos Doutores católicos (em especial o Comum, Santo Tomás de Aquino), doutrina segundo a qual:


• Como o próprio homem, tudo no mundo humano – as artes, a economia, a política, etc. – deve ordenar-se de algum modo ao fim último do universo, Deus mesmo. Com efeito, se as artes visam a dar beleza ao homem, se a economia visa a dar comodidade ao homem, se a política visa dar virtudes ao homem, e se o homem se ordena a Deus, logo tais fins não serão senão fins intermediários ou, mais precisamente, meios para a consecução pelo homem do fim último;[3]


• Ora, tal ordenação de todo o humano ao fim último universal assumiu – em razão da própria história humana, que começa com o estado de justiça original e, passando pelo pecado de nossos primeiros pais e pela queda da natureza do homem, atinge sua consumação com a redenção propiciada pela paixão na cruz –, assumiu, pois, a forma concreta de ordenação a Nosso Senhor Jesus Cristo e a seu reino assim na terra como no céu. O reino de Cristo não é, pois, senão o mesmo reino de Deus que, vertido do flanco de nosso Salvador, se constituiu em Igreja Católica. A mesma Igreja Católica de que não só faz parte o conjunto de seus sacerdotes e fiéis – na terra, no purgatório, ou já no céu –, mas de que também fizeram parte, de modo particular, as próprias nações cristãs, as que constituíram a hoje extinta Cristandade. A mesma Igreja Católica que, ao fim dos tempos, se transmutará gloriosamente na definitiva Jerusalém Celeste;


• Por isso mesmo, ou seja, porque fora da Igreja Católica não há salvação para os indivíduos humanos nem para suas cidades, por isso mesmo é que não há meio-termo: ou os indivíduos humanos e suas cidades fazem parte do reino de Cristo e vivem sob seu reinado, ou se transformam em pasto dos demônios. Tertium non datur. Mas há que saber de onde advém tal oniabrangente realeza, ante a qual todo joelho se há de dobrar para que toda língua a possa louvar dignamente. Vem, antes de tudo, do simples fato de que não pode haver exceção ali onde Deus não deixou nenhum lugar para ela. E não o deixou porque não pode haver exceção com respeito àquele que é o Rei universal, e que o é a triplo título: a) por direito de geração eterna, a do Verbo, que é o alfa e o ômega de toda a criação; b) por direito de natureza por sua união hipostática; e c) por direito de conquista, de redenção, de resgate do gênero humano por sua paixão e morte na cruz. Disse-o o mesmo Jesus: “Omnia potestas data es mihi in cœlo et in terra (Foi-me dado todo o poder no céu e na terra) (Mat. 28, 18). E concluiu São João: “Todo espírito que dissolve Jesus Cristo não é de Deus, mas é justamente esse Anticristo de que ouvistes que está para chegar e que no presente já se acha no mundo”... (1 Jo. 4, 3);


• E foi ainda Nosso Senhor quem, respondendo à pergunta de Pilatos: “Ergo rex es tu?” (Então tu és rei?), o confirmou: “Tu o disseste” (cf. Mat. 27, 11; Marc. 15, 2; Luc. 23, 3; Jo. 18, 33-34). Mas disse Cristo também que seu reino não é deste mundo, e que se deve dar a César o que é de César. Há que indagar, por conseguinte, se não indicariam essas duas afirmações, respectivamente, uma autonomia essencial deste mundo com respeito ao reino de Cristo e uma divisão essencial entre as duas ordens terrestres, a civil ou temporal e a eclesiástica ou espiritual. E deve responder-se que não, porque: a) se não é “deste mundo”, é por isso mesmo que a realeza de Cristo se exerce, e plenamente, “sobre este mundo”; e b) se é verdade que Cristo estabeleceu a distinção entre jurisdição civil e jurisdição eclesiástica, com o que resolvia graves dilemas pagãos como o de Platão em busca da república ideal, também é verdade, porém, que distinção não implica necessariamente ausência de subordinação de fins, e de subordinação essencial. Com efeito, a ordem temporal está para a ordem espiritual assim como o corpo está para a alma no homem; assim como a natureza está para a graça no justo; e assim como a razão está para a fé na Sacra Teologia.[4] Em outras palavras, embora a ordem civil, quanto à jurisdição, seja distinta da ordem eclesiástica, a esta porém se subordina, quanto aos fins, não acidentalmente, mas essencialmente;


• Por fim, é dever ineludível de todo católico confessar ou professar aquilo que o magistério eclesiástico sempre sustentou, quer insistindo na posse pela Igreja dos dois gládios (o temporal e o espiritual), quer, com São Pio X, convocando todos a “instaurare omnia in Christo” (instaurar todas as coisas em Cristo), quer pondo a pedra angular da doutrina – na qual já tanto insistira o Cardeal Pie de Poitiers – com a Quas Primas de Pio XI: “é evidente que também em sentido próprio e estrito pertence a Cristo como homem o título e a potestade de Rei”; “a força e a natureza deste principado [consistem] num triplo poder”: legislativo, judicial e executivo; e “o principado de nosso Redentor compreende todos os homens […]. ‘Sua autoridade, com efeito [diz Leão XIII em Annum sacrum], não se estende somente aos povos que professam a fé católica […] a humanidade toda está realmente sob o poder de Jesus Cristo.’ E neste ponto não há diferença alguma entre os indivíduos e as sociedades domésticas e civis”. Ou seja: a realeza de Cristo é total, e cada católico tem o imperioso dever de professá-la, sem atenuações, segundo seu estado e sua capacidade.



II. Se ainda é factível, nos dias de hoje,
a instauração do reinado político-social
de Nosso Senhor Jesus Cristo


4. Não só já se passou muito tempo desde que o Cardeal Pie de Poitiers, o Papa São Pio X e o Papa Pio XI escreveram o que se leu acima, senão que desde então se estenderam a tal ponto a democracia liberal e a revolução marcusiana (consequência daquela) e suas ervas daninhas, que hoje até a maioria dos próprios batizados na Igreja Católica admite ou pratica algum atentado à lei natural. Muito mais que tudo isso, todavia, entre aqueles tempos e os dias de hoje ocorreu o que já se chamou “golpe de mestre de Satanás”: o destronamento de Cristo Rei pela própria hierarquia da Igreja (não infalivelmente, é claro, porque é impossível que a assistência do Espírito Santo seja autocontraditória). Ademais, parece que já se cumpriram os dois sinais indicados por Cristo da proximidade do fim dos tempos: a apostasia geral das nações e a abominação da desolação instalada no lugar santo. Mas, sem acalentar ilusões que neguem a marcha final da história segundo as mesmas Escrituras,[5] o fato é que nenhum curso histórico é linear, senão que sempre consta de idas e vindas não raro inesperadas; além de que uma coisa é o desenho profético de dada sucessão de acontecimentos – e as profecias são como uma vista aérea de determinado terreno e seus acidentes geográficos –, outra o percurso que se faz nesse mesmo terreno, percurso que, pela própria natureza das coisas, não pode deixar de topar com surpresas e eventos súbitos. E, com efeito, bem diante de nossos olhos se vêm dando gratíssimos eventos súbitos, os principais dos quais são a recristianização constitucional da Hungria e a entronização de Jesus Cristo como rei da Polônia. Que sejamos capazes de apoiá-los e de tentar reproduzi-los, sem ilusões, sim, mas de modo decidido, no meio mesmo dos escombros de um mundo deicida e suicida e dentro das limitações que se nos impõem: será uma maneira contingente e atual de ajudar a instaurar tudo em Cristo. Se só algo mais se instaurar em Cristo, já terá sido muito. Se nem algo assim se der, teremos travado um bom e justo combate.


5.
O que porém não podemos fazer de modo algum, insista-se, é deixar de aderir interiormente à realeza total (incluída a político-social) de Jesus Cristo e de confessá-la publicamente, até para não suceder que, de tanto a omitirmos, acabemos nós mesmos por negá-la. Há que saber, no entanto, o que implica efetivamente este dever de confessar publicamente a realeza total de Cristo. Como tal confissão é parte da nossa profissão global da fé, vejamos como explica Santo Tomás de Aquino (na Suma Teológica, II-II, q. 3, a. 2) o preceito de professar exterior e abertamente a fé cristã. Devemos, segundo o nosso Doutor, considerá-lo por dois ângulos. Enquanto tal preceito implica uma proibição, sua obrigação é de todos os momentos e de todas as situações da vida: nunca é permitido ao católico fazer qualquer coisa, ou dizer qualquer coisa, ou escrever qualquer coisa que seja uma negação de sua crença. Enquanto todavia implica um ato positivo, o preceito, conquanto permanente e contínuo, não obriga o católico a professar sua fé a todo momento e em todo lugar. Ou seja, fazê-lo a todo momento e em todo lugar não é necessário para sua salvação. No entanto, o que, sim, é necessário para sua salvação é professá-la na devida hora e lugar, o que não se dá se por omissão da declaração de sua crença o católico deixa de prestar a honra devida a Deus ou deixa de concorrer para a utilidade espiritual do próximo; ou se, ao ser interrogado sobre sua fé, ele se cala, podendo resultar desse silêncio, para o próximo, ou a conclusão de que a fé não é verdadeira, ou a perda dela ou a desistência de abraçá-la. Como seja, o fato é que não nos basta a adesão interior à verdade divina, incluída a realeza total de Cristo; é-nos de preceito confessá-la exteriormente pelo menos nas condições indicadas por Santo Tomás. E são de Nosso Senhor mesmo estas inequívocas palavras: “Todo aquele que não me tiver confessado diante dos homens, o Filho do homem tampouco o confessará diante dos anjos de Deus. E aquele que me tiver negado diante dos homens, esse será negado diante dos anjos de Deus” (Luc. 12, 8-9).


6.
Além do mais, ainda que estejamos marchando para o fim dos tempos e que não possamos tornar a instaurar, efetivamente, tudo em Cristo, devemos imbuir-nos profundamente das seguintes palavras do Cardeal Pie de Poitiers,[6] escritas há cerca de um século e meio, e que citaremos extensamente: lutemos



com esperança contra a esperança mesma. Pois quero falar a esses cristãos pusilânimes, a esses cristãos que se fazem escravos da popularidade, adoradores do sucesso, e que são desconcertados pelo menor progresso do mal. Ah! afetáveis como eles são, praza a Deus que as angústias da provação derradeira sejam mitigadas! Esta provação está próxima ou está distante? Ninguém o sabe [...].[7] Mas o certo é que, à medida que o mundo se aproxime de seu termo, os maus e os sedutores terão cada vez mais vantagem. Já quase não se encontrará fé sobre a face da terra, ou seja, ela terá desaparecido quase completamente de todas as instituições terrestres. Os próprios crentes mal ousarão fazer uma profissão pública e social de suas crenças. A cisão, a separação, o divórcio das sociedades com Deus, o que é dado por São Paulo como sinal precursor do fim, “nisi venerit discessio primum”, ir-se-á consumando, dia após dia. A Igreja, sociedade sem dúvida sempre visível, será cada vez mais reduzida a proporções simplesmente individuais e domésticas.[8] Ela, que dizia em seus começos: O lugar me é estreito, abre-me um espaço em que eu possa habitar: Angustus mihi locus, fac spatium ut habitem, ela se verá disputar o terreno palmo a palmo, ela será cercada, encerrada por todos os lados: tanto quanto os séculos a tinham feito grande, tanto se aplicarão muitos agora a restringi-la. Enfim, haverá para a Igreja da terra uma como verdadeira derrota, e será dado à Besta mover guerra contra os santos e vencê-los. A insolência do mal atingirá o ápice.


Ora, nesse extremo das coisas, nesse estado desesperado, neste globo entregue ao triunfo do mal e que logo será invadido pelas chamas, o que deverão fazer todos os verdadeiros cristãos, todos os bons, todos os santos, todos os homens de fé e de coragem?


Aferrando-se a uma impossibilidade mais palpável que nunca, eles dirão com energia redobrada e tanto pelo ardor de suas preces como pela atividade de suas obras e pela intrepidez de suas lutas: Ó Deus! Pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome assim na terra como no céu; venha a nós o vosso reino assim na terra como no céu; seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu! Eles murmurarão ainda estas palavras, e a terra tremerá sob seus pés. E, assim como outrora, em seguida a um espantoso desastre, se viu todo o senado de Roma e todas as ordens do Estado ir ao encontro do cônsul vencido, e felicitá-lo por não se ter desesperado da república, assim também o senado dos céus, todos os coros dos anjos, todas as ordens dos bem-aventurados virão ter com os generosos atletas que tiverem sustentado o combate até ao fim, esperando contra a esperança mesma: contra spem in spem. E então este ideal impossível, que todos os eleitos de todos os séculos tinham obstinadamente perseguido, se tornará enfim realidade. Neste segundo e derradeiro advento, o Filho entregará o Reino deste mundo a Deus seu Pai, e o poder do mal terá sido evacuado, para sempre, para o fundo dos abismos; todo aquele que não tiver querido assimilar-se, incorporar-se a Deus por Jesus Cristo, pela fé, pelo amor, pela observância da lei será relegado à cloaca das imundícies eternas. E Deus viverá e reinará plenamente e eternamente, não apenas na unidade de sua natureza e na sociedade das três pessoas divinas, mas na plenitude do corpo místico de seu Filho encarnado e na consumação dos santos![9]





[1] “A democracia é uma religião mais universal que a Igreja [...]. Resulta do grande movimento de apostasia organizado em todos os países para o estabelecimento de uma Igreja Universal que não terá dogmas, nem hierarquia, nem regra para o espírito, nem freio para as paixões” (Pio X, Notre charge apostolique). – Outra coisa é considerar se entre os regimes revolucionários um é menos mau que os outros.


[2] “O reino visível de Deus sobre a terra é o reino de seu Filho encarnado, e o reino visível de Deus encarnado é o reino permanente de sua Igreja” (Cardeal Pie de Poitiers, Œuvres sacerdotales, III, 501). Sobre esta identidade dos três reinos: o reino de Deus, o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo e o reino da Igreja, cf. ainda Cardeal Pie de Poitiers, Œuvres sacerdotales: I, 143-144, 317 a 320, 381, 499-500.


[3] Mas, se uma obra de arte – um romance, uma peça teatral ou musical, um filme – leva o homem a afastar-se de Deus por qualquer razão, já não o terá de modo algum por fim, mas servirá aos inimigos dele e da santidade; e diga-se analogamente o mesmo da política, da vida econômica, etc.


[4] Para estas analogias, cf. muito especialmente Padre Álvaro Calderón, El Reino de Dios en el Concilio Vaticano II (versão em PDF), p. 16-24. Quanto ao próprio Santo Tomás de Aquino, cf. Summa Theol., II-II, q. 60, a. 6; De regno, liv. 1, cap. 15, e In II Sententiarum, dist. 44, q. 1, a. 3, c. e ad 5; Contra Gent., l. 4, cap. 72, n. 10; et alii loci. – Por seu lado, o Cardeal Pie de Poitiers dizia que o poder temporal está para o espiritual assim como a natureza humana de Cristo está para sua natureza divina. Parece válida também esta analogia, com a desvantagem, porém, com respeito às outras, de que entre as duas naturezas de Cristo não há nem pode haver nenhum conflito. Para esta analogia do Cardeal Pie de Poitiers, cf. especialmente a Lettre à M. le ministre de l’instruction publique et des cultes (16 de junho de 1861) e a Troisième instruction synodale sur les principales erreurs du temps présent. – Para o dito pelo magistério da Igreja acerca disto, cf.: Documento de excomunhão e de deposição de Henrique IV (S. Gregório VII); encíclica Sicut universitatis (Inocêncio III); bula Unam Sanctam (Bonifácio VIII); constituição Licet iuxta doctrinam (Erros de Marsílio de Pádua e de João de Jandun sobre a constituição da Igreja; João XX); encíclica Etsi multa luctuosa (Pio IX); encíclica Quanta cura (Pio IX); o Syllabus (Pio IX); encíclica Quod Apostolici muneris (Pio IX); encíclica Diuturnum illud (Leão XIII); encíclica Immortale Dei (Leão XIII); encíclica Libertas praestantissimus (Leão XIII); encíclica Sapientiae christianae (Leão XIII); encíclica Annum sacrum (Leão XIII); encíclica Rerum novarum (Leão XIII); encíclica Graves de communi re (Leão XIII); encíclica Vehementer Nos (S. Pio X); encíclica Communium rerum (S. Pio X); encíclica Jucunda sane (S. Pio X); encíclica Pascendi (S. Pio X); motu próprio Sacrorum antistitum (S. Pio X); encíclica Editae saepe Dei (S. Pio X); encíclica E supremi apostolatus (S. Pio X); encíclica Il fermo proposito (S. Pio X); Carta sobre a ação social, janeiro de 1907 (S. Pio X); encíclica Ad diem illum (S. Pio X); alocução Gravissimum (S. Pio X); encíclica Notre charge apostolique (S. Pio X); encíclica Ubi arcano (Pio XI); encíclica Quas Primas (Pio XI), a carta magna da Cristandade; encíclica Divini illius magistri (Pio XI); encíclica Quadragesimo anno (Pio XI); encíclica Firmissimam constantiam (Pio XI); encíclica Summi Pontificatus (Pio XII).


[5] A saber: apostasia geral das nações → a abominação da desolação instalada no lugar santo → advento e império breve do Anticristo → conversão dos judeus e refervor geral da fé → dentro de tempo mais ou menos longo ou mais ou menos breve, a Parusia ou segunda e definitiva vinda de Cristo, com a conformação de novos céus e de nova terra.

[6]Discours prononcé le 8 novembre 1859 dans l’église cathédrale de Nantes à l’occasion de la réception des reliques de Saint Émilien”, in Oeuvres de Monseigneur l'Évêque de Poitiers, t. 3, Bibliothèque Nationale de France, p. 526-528.

[7] Sobre a incerteza da hora do juízo, cf. Mateus 24, 36-44.

[8] Deve entender-se isto não como uma previsão de que a Igreja perderá sua hierarquia por herética ou cismática (se a perdesse, teria falhado a promessa de Cristo e o definido pelo próprio magistério, e o Cardeal Pie não teria dito: “a Igreja, sociedade sem dúvida sempre visível”); senão que deve entender-se como uma previsão de que será encerrada nas referidas proporções, como o foi na época das catacumbas e como o é, por exemplo, na China atual.


[9] Œuvres sacerdotales, III, 527-529.





Estudos tomistas: "Da Realeza de Cristo", opúsculo de Carlos Nougué