Bela
A verdadeira beleza da Castela tradicional dá-se a apreciar pelo feliz matrimónio entre a terra e o seu povo. O gente castelhana foi aprimorada nas suas qualidades e virtudes, pelo cinzel da cultura e do conhecimento transmitido de geração a geração, para melhor se ajustar aos desafios da sua terra ancestral e conseguir que ela dê o melhor de si, numa relação de profícua e duradoura harmonia.
Dir-se-ia que se o castelhano não existisse para povoar a sua terra, teria que ser inventado. E, de facto, terá sido assim, num interminável processo que já leva mais de uma dúzia de séculos de maturação. A minha mulher sempre me diz que os esposos com muito tempo de casamento tendem a ficar fisicamente parecidos: queira Deus que tenha razão e me venha a emprestar um pouco da beleza com que me encantou. Mas pensando nisso, parece mesmo que a beleza dos campos castelhanos foi, com o correr do tempo, sendo transferida para o seu povo, ornando-o com a mesma simplicidade e serenidade de quem sabe que o tempo só torna as coisas mais belas para os mais belos olhos.
Imagem de origem desconhecida - mas que bem poderia ser de uma anciã castelhana
Não sou douto em estética - como o não sou em nenhum campo da filosofia. Sem embargo, parece-me que, de entre todos, só há um tipo de beleza persistente e intemporal, que é o das coisas simples. Quanta maior a complexidade e a intervenção humana, mais uma e outra estarão sujeitas ao escrutínio das modas, dos padrões de beleza e dos ditames do gosto. A simplicidade é, por isso, ao mesmo tempo que a protecção do protagonismo de poucos elementos escolhidos, uma aproximação à perfeição da Criação Divina, onde toda e cada coisa cumpre uma função insubstituível no quadro da Vida.
Paisagem de Papoilas na Mancha - Imagem de Juan Carlos Muñoz
Retirada de Símbolo del heroísmo y la fugacidad | El Viajero en EL PAÍS
A beleza de Castela e das suas gentes é, portanto, a beleza das coisas simples: de uma natureza despojada de espaços largos e vistas infinitas que lançou o castelhano à conquista do mundo, porque o céu azul já lhe pertencia. Citando uma jovem e interesantíssima poetisa brasileira da actualidade, Priscila Rôde:
"O bom de ter a fé ao alcance dos sonhos e da alma é que, se hoje não deu, amanhã tem mais: mais de mim, mais de nós, mais de tudo o que é vivo, de tudo o que é novo, de tudo o que esbarra em Deus e que a cada instante, sobre todas as coisas, deixa uns fios de esperança preparando a próxima colheita, o próximo encontro.
Não existe nada mais acolhedor que a bonita certeza de que tudo passa só pra nos fazer enxergar a tal vida com os olhos sinceros do coração, com os sentidos aguçados e com um amor reinventado que transforma tudo o que vê.
Só mesmo a beleza das coisas simples para nos salvar da frieza das coisas mornas."
Neve em Palência
Retirada de http://viajeteca.com/photos/Palencia...0-%20copia.JPG
Com calor ardente ou frio de bater o dente, uma coisa é certa: a beleza de Castela faz-nos o coração quente.
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