Austera
A austeridade está de moda mas não pelas melhores razões. Tem-se chamado de "austeridade" ao castigo que os usureiros internacionais impõem às populações que não usufruiram das dívidas contraídas por governantes imcompetentes e criminosos, que partilham o saque com os usureiros. Não. A austeridade não é pena de indigência. Também não é ostentação de uma pobreza que se não tem por pretensão de uma qualquer eminência moral. Nem a moralidade pode resultar da mentira nem a pobreza é uma qualidade. A pobreza, sobretudo quando extrema, é uma enfermidade das sociedades - tal como o é a riqueza extrema; não deve o pobre se envergonhar da sua pobreza nem ser levado a pensar que lhe foi predestinada por Deus. Para a Fé Verdadeira, não há predestinação; e entre as três virtudes teologais que aponta, não se encontra a pobreza.
O austeridade não é, portanto, a pobreza imposta por outros, auto-imposta ou simuladada. É sim a singela dignidade de quem sabe quem é; e que essa dignidade não resulta do que tem (nem deixa de ter) nesta vida, mas do que contribui para o glória de Deus e a salvação do mundo. Enquanto o Juizo Final não chega, há que fazer o mais possível, tudo o que se puder. Porque, já Fernando Pessoa dizia, quem faz o que pode, faz o que deve. E fazer o que se deve pode ser dar a vida por Deus, pela Pátria e pelo Rei (quando seja legítimo de sangue e exercício) ou conservá-la o mais possível, garantindo sempre que tem o suficiente para viver e ajudar a viver na Graça do Senhor.
É essa austeridade a que, historicamente, caracteriza os povos de Castela. Desde o mais ilustre fidalgo ao mais humilde ceifeiro das searas castelhanas. Em tempo de fartura como em de carência, o castelhano guarda prudente e realista sobriedade de gastos, hábitos, gestos, vestes e divertimentos. É discreto no trajar, privelegia a resistência do tecido à voluptuosidade da cor.
Quadro "Cavaleiro de Mão no Peito" de El Greco
Prefere o asseio aos mais vibrantes perfumes; reserva a abundância na mesa para as festas religiosas, casamentos, baptizados e para receber convidados. A hospitalidade castelhana só se manifesta em plenitude quando se conhece o seu povo e o seu modo de vida tradicional; só se soubermos do que se priva um castelhano, no seu dia-a-dia, é que compreendemos verdadeiramente quão generoso e hospitaleiro ele é, quando nos recebe no seu lar. Não faz ele a melhor sala, que o sorriso não é o seu forte; mas dá muito melhor mesa e conforto do que o que se permite a si próprio.
Mais se priva ainda quanto mais lhe pede o bom governo da pátria espanhola, ou o maior bem da Igreja - que como sabemos, é o universo dos cristãos. Fá-lo por um enraízado sentido de comunhão e de colectividade que desenvolveu para fazer face aos desafios de uma terra flagelada por um clima extremado, terra rochosa que pede muito do arado para dar pouco ao moinho, com fraca alma de minério. Pode-se ler a vida do castelhano nas suas mãos: não pelas linhas, como fazem para aí muitos aldrabões, que se aproveitam da falta de fé (e de inteligência) dos outros. Não, pelas linhas, não; pelos calos. Calos de enxada, "calos de espada", calos de maço.
A arquitectura tradicional reflecte esse sentido de comunhão e de luta colectiva contra a adversidade.
Imagem de Pedraza, Segóvia
A Cesar o que é de César, a Deus o o que é de Deus, respondeu Nosso Senhor Jesus Cristo aos fariseus. A Deus a Glória e aos homens a glorificação de Deus. Nas igrejas e catedrais de Castela estão as primícias dos seus frutos, os cordões das suas mulheres, as fazendas dos seus fidalgos, o esforçado trabalho dos seus pedreiros e carpinteiros, tão doído como doado de bom grado para a Casa em que "todo o que pede, recebe e todo o que procura encontra".
Catedral de Burgos
Diz um velho dito de pescadores portugueses: guarda o teu dinheiro para o mau tempo. Assim faz o castelhano, porque até o bom tempo pode ser mau em Castela. E assim parece que, por muito que tenha sido pedido ao castelhano, há sempre mais para dar.
Marcadores