Picasso: o pirotécnico
Por D. Williamson
Traduzido e adaptado por Andrea Patrícia
Pablo Picasso
Caros Amigos e Benfeitores,
Um interessante intercâmbio aconteceu quarto meses atrás nas páginas da revista conservadora quinzenal americana "National Review". Foi um intercâmbio entre Roger Scruton e Arianna Stassinopoulos Huffington sobre o recentemente publicado livro sobre o famoso artista do século XX, Pablo Picasso. O intercâmbio é geralmente interessante porque abre para valores teológicos que deveriam estar no centro das posições conservadoras da "National Review", mas que a "National Review" geralmente evita.
Mas isso é outra história. A Sra. Huffington, nascida na Grécia em 1950, educada desde 1966 na Inglaterra, casada e domiciliada agora nos Estados Unidos, ficou arrebatada devido a uma visita que ela fez a uma massiva exibição retrospectiva de Picasso acontecida em Paris no ano de 1980. As quase 1.000 obras em exibição provaram amplamente a lendária vitalidade e criatividade artística de Picasso. Tal inventividade permitiu que ele desde o começo da juventude até a velhice mantivesse as pessoas fascinadas com sua magia. E ainda assim a exibição a deixou com "um sentimento desconfortável".
Em 1982 a Sra. Huffington começou a escrever um livro sobre o mago, e cinco anos depois ele foi terminado, com o título "Picasso, Creator and Destroyer" [Picasso, Criador e Destruidor]. Por detrás do fabuloso criador artístico, ela descobriu a fonte de do seu desconforto: Picasso o destruidor. Por exemplo: boa parte de seu livro trata dos sucessivos relacionamentos de Picasso com sete mulheres, das quais apenas a terceira e, finalmente a sétima foram alguma vez suas esposas pela lei, e as quais a quarta e a sétima cometeram suicídio após a morte de Picasso em 1973.
Entretanto, tendo pesquisado sobre a vida privada nem um pouco admirável de Picasso, seu livro termina com um julgamento sobre Picasso como artista: "... ele levou até as últimas consequências a visão negativa do mundo modernista... Diferente de Shakespeare e Mozart, cuja prolífica criatividade ele compartilhou, Picasso não foi um gênio intemporal ..." mas "... um sismógrafo para os conflitos, turbulências e angústias de sua época. Desde a época (1908) em que ele abalou o mundo artístico com sua "Les Demoiselles d'Avignon", Picasso estava sem amor pelo mundo. Ele viu seu papel de pintor como arma de combate contra cada emoção de pertencer a criação e celebrar a vida, contra a natureza, a natureza humana e o Deus que criou isso tudo... Picasso disse a Malraux que ele não tinha necessidade de estilo, porque sua raiva se tornaria o fator primordial do estilo de nossa época.
E sua raiva tornou-se o fator primordial do estilo de nossa época; mas há sinais crescentes de que algo além da raiva é demandado... E então enquanto a Sra. Huffington admite prontamente a "prodigiosa habilidade, completa maestria da linguagem da pintura, inesgotável versatilidade e monumental virtuosismo, ingenuidade e imaginação" de Picasso, não obstante ela conclui seu livro com um ponto de interrogação ligeiramente negativo: "Ao passo em que nos aproximamos do início de outro mundo e de um novo século, o que Picasso, tão irrevogavelmente atado a era que está morrendo, teria a dizer para a era que está nascendo?". Entretanto, Picasso ainda é um tal deus para a nossa própria época que chamá-lo de pouco mais do que um brilhante pirotécnico é pedir para cair sobre a cabeça a ira unida de todos os liberais.
Logo, o livro da Sra. Huffington evidentemente tem sido massacrado por críticos no mundo inteiro. Ela tocou num nervo sensível. No intercâmbio na "National Review", é um bem conhecido crítico inglês, Roger Scruton, quem resolve bater. Seguindo as proporções do livro dela, certamente a maior parte de do artigo dele é para defender mais ou menos o direito do artista comportar-se imoralmente, e para atacar a Sra. Huffington por silenciar a arte de Picasso "pela avalanche de seus delitos". O último parágrafo de seu artigo finalmente defende a arte de Picasso: ela "não deveria ser vista como desintegração, mas em vez disso como uma tentativa de reordenar e reintegrar o que já estava desintegrado ... Picasso buscou remontar os fragmentos invisíveis do mundo moderno para torná-los visíveis e revelar sua verdade. O mundo moderno pode ser terrível; mas o artista moderno não possui outro mundo com o qual brincar. E, como Picasso mostrou, ele ainda pode descobrir neste mundo uma ordem e uma pureza que justifiquem sua obra".
A vigorosa resposta da Sra. Huffington começou por acusar Scruton e os múltiplos críticos dela de temerem a desvalorização de seu ídolo cultural. Por trás disso ela percebe, em primeiro lugar, que esses críticos, assim como Picasso, recusam-se a ver que existe de fato outro mundo por trás da desintegração do século XX; em segundo lugar, que eles partilham da noção desordenada de Picasso sobre a mulher e do amor da mulher; em terceiro lugar, com tal apego pela arte como substituta da religião, eles não querem que um dos Sumos Sacerdotes da arte-religião seja derrubado. E o artigo dela conclui: "Chegou a hora de reconhecer a mentira metafísica na qual a vida e a arte de Picasso estão baseadas, de reavaliá-lo, e de mover-se além dele – em nossa arte, em nossa cultura, e em nossas vidas".
Em outras palavras, os liberais modernos, artistas e críticos em primeiro lugar recusam o amor a Deus, em segundo lugar voltam-se para o amor desordenado às criaturas, e em terceiro lugar sugam a arte até secar como se fosse uma chupeta, para preencher o vazio deixado por eles mesmos pela falta de Deus. Bravo, Sra. Huffington. Eu não sei qual a sua religião, mas a sua perspectiva é religiosa. O nervo sensível que a senhora tocou foi o pânico desses liberais, que o Deus que eles resolutamente colocaram para fora de sua existência pode ainda voltar para suas vidas. Sem dúvida a coisa mais profunda a ser dita sobre Picasso, bem como muitos dos “heróis” do século XX , é que ele estava guerreando contra Deus.
Outro sintoma de sua Guerra contra Deus foi a gravemente desordenada vida privada de Picasso. Liberal fiel e crente, Scruton desconecta arte e moralidade, e ele está pelo menos correto em dizer que a imoralidade de Picasso não é essencial para a questão de sua arte. Entretanto, em seu livro sobre o homem e em sua resposta a Scruton, a Sra. Huffington instintivamente percebe que no coração de Picasso havia uma desordem que se manifestou em sua vida e em sua arte, então para apresentar o homem, seu livro era perfeitamente autorizado a apresentar dois aspectos do seu distúrbio único: quem não amar a Deus, não amará as criaturas:
"Porque meu povo cometeu duas maldades. Eles abandonaram-me, eu que sou a fonte de água viva, e têm cavado cisternas para si, cisternas quebradas, que não podem guardar nenhuma água” (Jer. II, 13). Ao contrário, quem amar a Deus irá corretamente amar as criaturas, e de tal amante virão todas as formas de beleza e arte. "Jesus ficou de pé e clamou: se alguém tem sede, que venha a mim e beba. Aquele que acredita em mim, como diz a Escritura, de seu interior brotarão fontes de água viva" (Jo. VII, 37, 38). Então enquanto o protestantismo é uma revolta contra Deus em todas as suas formas iconoclasta – a postura - o comunista Picasso era cheio da contradição de ser supremo iconógrafo do iconoclasmo – a Igreja Católica tem, desde a Encarnação, trazido continuamente a mais bela arte.
Carta de abril de 1989.
Borboletas ao Luar: Picasso: o pirotécnico
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