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Tema: A metafísica contra a teoria da evolução

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  1. #1
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    Re: A metafísica contra a teoria da evolução

    A metafísica contra a teoria da evolução (II): resposta a uma objeção comum





    (continuação deste texto)

    Sidney Silveira

    Estabelecido de que maneira se pode dizer que a forma é, na perspectiva metafísica, princípio de operação, de especificação e de inteligibilidade, abra-se um parêntese para responder a uma objeção comum de estudiosos de algumas ciências da natureza: os conceitos da metafísica não podem ser a elas aplicados — pois, entre a ciência metafísica e as dedicadas ao estudo da natureza, existe uma diferença de objeto formal.

    Para responder a isto, partamos inicialmente da premissa de que a verdade é este movimento acidental da potência intelectiva que culmina na assimilação imaterial da forma dos entes pelo intelecto.[1] Neste sentido, a verdade é cum fundamento in re. Ou seja: há verdade quando a forma da coisa (que, nos entes compostos de matéria e forma, é princípio organizador da matéria) se transforma em forma inteligível. E tal species inteligível, absolutamente imaterial, é mais ou menos abrangente conforme a universalidade do objeto assimilado pela inteligência.[2] Reiteremos, então, o princípio: a verdade tem fundamento na coisa,[3] na medida em que esta lhe serve de princípio ab extrinseco. Infelizmente, a história da filosofia mostra o quanto essa propriedade da verdade começou a esvanecer-se após Duns Scot e sua distinctio formalis.

    Pois bem, feita a referência a este aspecto relacional do conceito de verdade — pressuposto, de alguma forma, em todas as ciências, inclusive a biológica, malgrado as incontáveis divergências quanto ao seu teor —, passemos à observação de que a metafísica, por ser formalmente filosofia primeira (como ensinara Aristóteles), fornece a todas as demais ciências os princípios sem os quais elas sequer poderiam ser chamadas propriamente de “ciências”, a menos que apelemos a uma forçosa analogia. Assim, a matemática não pode desvincular-se do princípio da não-contradição (pressuposto em todas as suas premissas e operações), nem a física desvincular-se do conceito de movimento como trânsito da potência ao ato, nem a biologia, que estuda o ente enquanto possui vida (ou será que os animais não são “entes” viventes?) desvincular-se da noção metafísica de espécie. E isto simplesmente porque a categorização metafísica é formalmente anterior à das demais ciências, que pegam os seus princípios de empréstimo da filosofia primeira para lograr os fins a que orientam os seus estudos.

    É claro que há correntes da matemática que tentam negar o estatuto do princípio de não-contradição. Isto é arqui-sabido, mas os textos desta série não se propõem expô-las nem apontar o seu erro flagrante neste tópico. É claro que há correntes da física que parecem ignorar totalmente o conceito metafísico de movimento, em toda a sua rica amplitude. É claro que há correntes da biologia que parecem ignorar absolutamente o vínculo necessário desta ciência particular com aquela que, por sua natureza, é primeira e universal.

    Nestes casos, o que acontece é curioso: as ciências naturais, cujos objetos formais se referem a um universo mais ou menos demarcado, pretendem ultrapassar os limites que as especificam e fazer dos seus conceitos verdades omniabarcantes, como destaca o filósofo Carlos A. Casanova no estupendo livro Reflexiones metafísicas sobre la ciencia natural. E acabam, na prática, por transformar-se em má-metafísica. Um exemplo? Alguns físicos quando se põem a falar sobre a origem do universo e descambam a produzir teses que, em verdade, são um arremedo de metafísica — algo canhestro por partir da formulação de hipóteses que transcendem ao escopo de todas as correntes da física, sem que eles percebam.

    Não vêem, por exemplo, que a física pode especular, sem dúvida, sobre a origem do universo material[4] (pois aborda o ente na perspectiva do movimento, que, nos entes compostos de matéria e forma, radica na potência da matéria), mas não sobre a origem do ser. E mais: sequer os problemas filosóficos a respeito da proveniência da materia prima — de que ainda falaremos na presente série —, ou da energia concentrada que, há 13,9 bilhões de anos, teria gerado o Big Bang (concedamos, por procedimento dialético, que ele tenha havido) são resolvíveis por uma filosofia da natureza, como a physis.

    A metafísica, portanto, pode e deve imiscuir-se nos problemas de todas as demais ciências, quando estas contrariam os princípios indemonstráveis dela, que lhes servem de esteio. E tal “intromissão” lhe cabe de direito, em virtude da absoluta universalidade do seu objeto formal terminativo e, também, do seu grau de abstração superior ao de todas as demais ciências: o ente enquanto ente — ou o ente na medida em que é o que “tem ser” (habet esse), ou seja, tudo o que há.

    Com isto fica estabelecido que a refutação da teoria da evolução que se logrará ao fim desta série é metafísica, e, portanto, científica em elevado grau. Não trataremos de nenhum aspecto propriamente biológico, mas apenas da impossibilidade formal de as espécies — enquanto formas entitativas nas quais radicam determinadas potências — “evoluírem” em outras.

    Assim, não será trazido à baila nenhum argumento de biólogos, químicos, paleontologistas ou embriologistas como o ex-evolucionista Soren Lovtrup, cientista sueco, autor do demolidor livro Darwinism: the refutation of a myth. Apenas não posso deixar de assinalar que a sua conclusão está totalmente de acordo com a prova metafísica que apresentaremos no decorrer destes textos. É a seguinte: algum dia, o mito darwinista será classificado como a maior de todas as fraudes científicas da história.

    Mas esqueçamos por ora Lovtrup, cujos argumentos, como se frisou, sequer serão citados (assim como não abordaremos em detalhe fraudes como a do Homem de Piltdown, entre outras), pois a presente prova se dará em outra clave.

    (continua)

    ____________________


    1- A propósito, o fim do movimento, em sentido metafísico, culmina sempre na aquisição de uma nova forma.

    2- A título de exemplo, um cardiologista, devido a seu conhecimento da natureza do coração humano, pelos exames identifica quando ele apresenta problemas, ou seja, quando as funções naturais do coração não se cumprem perfeitamente. Neste caso, a forma inteligível superior e mais universal abarca, inclui e/ou abrange a inferior, no seguinte sentido: o conhecimento da doença proveio do conhecimento da coisa (o coração) em sua compleição natural. Noutras palavras, o conhecimento da substância, em sua integridade, é ontologicamente anterior ao conhecimento dos acidentes, embora muitas vezes seja cronologicamente posterior. Os acidentes só se conhecem como acidentes à luz do conhecimento da substância — e é no seguinte sentido em que, na gnosiologia tomista, se diz que uma forma inteligível é mais abarcadora que outra: quanto mais universal for uma forma inteligível, melhor será o conhecimento, porque mais species conterá em si. Por isso, Deus, inteligência suma que se identifica absolutamente com o Seu próprio e infinito Ser, possui uma só forma inteligível (Ato Puro) que contém em si, perfeitamente, todas as demais.
    3- Não nos custa lembrar que “coisa” (res) é um dos transcendentais do ser. Quando, portanto, se diz que a verdade tem fundamento na coisa (in re) não se está afirmando senão que ela tem fundamento no ser, do qual a coisa é um dos transcendentais. Disto se depreende que, nesta relação entre conhecer e ser, o ser tem precedência ontológica — com a óbvia exceção da inteligência divina, e, também, das inteligências angélicas, que têm as species inteligíveis das coisas antes mesmo de as próprias coisas serem, pois foram tais formas infundidas por Deus em suas inteligências. Mas deixemos este assunto de gnosiologia angélica para outra ocasião.

    4- Advirta-se: especular sobre a origem do universo material no tocante à matéria segunda, que é potência para o ser acidental, mas não no tocante à proveniência da matéria prima.

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  2. #2
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    Re: A metafísica contra a teoria da evolução

    A metafísica contra a teoria da evolução (III): incompatibilidade entre fim e meios

    (continuação deste texto)

    Sidney Silveira

    A anterioridade da metafísica com relação às demais ciências não é evidentemente cronológica, mas sim ontológica e, em certo sentido, topológica, na medida em que os seus princípios servem de ponto comum para as ciências de menor grau de abstração da matéria. Neste contexto, a física, que aborda o ente na perspectiva do movimento, do trânsito da potência ao ato, pode no máximo alcançar em seus cálculos, teses, premissas, hipóteses ou teorias aquilo que Santo Tomás chama de materia secunda, que é potência para o ser acidental e, portanto, raiz da distinção numérica dos entes, mas não da distinção formal — ou seja, por espécies.

    Por sua vez, a materia prima informe, enquanto potência primeva na ordem dos entes compostos de matéria e forma, está para além das especulações da física porque a sua cognoscibilidade não radica em evidências passíveis de comprovar-se por experimentos empíricos ou suposições oriundas de cálculos matemáticos, visto que a materia prima não possui quaisquer distinções numéricas ou qualitativas. A ela, portanto, só se pode chegar por uma abstração de terceiro grau, tipicamente metafísica. E, ainda assim, o conhecimento a seu respeito será por analogia.

    Muito menos podem a biologia ou a química, cujo grau de abstração da matéria é inferior ao da física e ao das matemáticas, dar efetiva resposta ao problema da origem das espécies animais (ou seja, da dos entes compostos de matéria e forma animada). As suas teorias, neste tópico específico, jamais passarão de suposições com roupagem científica, e a razão disto é simples: o seu objeto de estudo está imerso na matéria. Ora, quanto mais distante está a causa do efeito atual, maior abstração da matéria se requer para poder investigá-la, e este, em definitivo, não é o caso da biologia no tocante à origem das espécies, pois ela na prática lida com causas ordenadas acidentalmente (per accidens), nas quais o efeito comum não depende do influxo atual de todas as causas da série para existir,[1] e não com causas ordenadas essencialmente (per se), nas quais efeito, para ser e manter-se, precisa do influxo atual de todas as causas da série. Neste contexto, convém frisar o seguinte:

    > Uma ciência que investiga apenas causas acidentais não pode, por definição, conhecer a origem da série causal em seu âmbito — ou seja: a causa primeira.

    Não por outra razão, o ramo da biologia consagrado no último quartel do século XX como “biologia evolutiva” padece de uma radical incongruência entre objeto e meios, e, na prática, quando se vêem os seus propugnadores defenderem alguma tese, em geral repleta de dados empíricos agrupados, salta aos olhos que se trata de uma mal-disfarçada espécie de metafísica evolutiva, mas sem o menor rigor demonstrativo da verdadeira metafísica, que parte de evidências ancoradas nos primeiros princípios para chegar a conclusões necessárias.

    A propósito, a perda do elevado rigor do método metafísico escolástico explica, em parte,[2] como pôde uma ciência cujo objeto formal está imerso na matéria dar pareceres, formular hipóteses ou desenvolver teses relativas à origem das espécies, estando a sua própria definição de “espécie radicada na matéria informada (e, portanto, materia secunda). Não se trata, é óbvio, de desqualificar a importantíssima ciência biológica, e sim de apontar o quanto ela transcende indevidamente o seu objeto ao formular uma teoria — em verdade, uma hipótese — para a qual não possui sequer instrumentos científicos e filosóficos apropriados.

    Ora, toda e qualquer ciência supõe que o mundo é inteligível e que é possível conhecer essa inteligibilidade. Daí que, em qualquer ciência, haja uma pergunta prévia — a ser respondida ao se lhe demarcar o objeto — acerca da demonstrabilidade de suas teses centrais, a qual precisa comprovar-se com todo o rigor. Mas tal pergunta não pode ser respondida senão recorrendo a princípios anteriores aos da própria ciência particular. Sem isto, por mais que a observação e o estudo acurado da realidade levem a conclusões topicamente acertadas, eles naufragarão de forma rotunda no momento em que se tentar dar a essas conclusões particulares um caráter de princípio válido universalmente.

    Assim, mesmo que a hipótese da evolução se comprovasse apodicticamente — o que, ao final, veremos ser impossível, dada a estrutura da ordem do ser —, isto não lhe autorizaria a concluir, por exemplo, que as espécies animais não foram criadas — entre outras coisas porque o problema da evolução sequer é o mesmo do da criação. Somente uma ignorância suma acerca do que seja propriamente o problema filosófico da criação é capaz de fazer alguém colocá-lo num mesmo plano da hipótese da evolução das espécies. Esta, de tão imersa no materialismo, sequer vislumbra os conceitos de causa final e causa exemplar, e quando o faz é de forma capenga.

    É, portanto, absolutamente falsa a dicotomia criação/evolução. A primeira trata de uma questão de cariz metafísico, pois radica no ser; a segunda soçobra no materialismo. E, a respeito do materialista, bem dizia Chesterton com o seu humor típico:

    “É o sujeito que faz uso do espírito para dizer que só existe a matéria”.

    (continua)

    __________________________

    1- Por exemplo: dando-se a evolução como certa (a mero título de procedimento dialético), é evidente que a existência atual da espécie Y não depende da existência atual de todas as espécies anteriores na série que culminou nela.

    2- Das razões de ordem ideológica trataremos noutra ocasião.

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  3. #3
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    Re: A metafísica contra a teoria da evolução

    A metafísica contra a teoria da evolução (IV): a deificação da matéria

    (continuação deste texto)

    Sidney Silveira

    Ficou assentado que uma ciência que lida apenas com causas acidentais não está aparelhada para conhecer sequer a origem da série causal em seu próprio âmbito de investigação, que dirá para dar a uma hipótese o estatuto de verdade universalmente válida. Este é o caso da biologia quando pretende aplicar a hipótese da evolução à origem das espécies (e portanto da vida):[1] ela o faz sem ter instrumentos filosóficos para tanto. Em poucas palavras, uma ciência é dita natural justamente porque o seu objeto está no limite da natureza, e investigar o princípio — seja de que forma for — é fazer ciência acerca das causas da natureza. É, portanto, fazer metafísica e não ciência natural.

    No plano lógico, essa impossibilidade se dá porque, nas séries de causas ordenadas acidentalmente, jamais a razão pode chegar a um primeiro em sentido absoluto, pois sempre se poderá acrescentar logicamente mais uma causa à série.[2] Duns Scot, filósofo que somos insuspeitos para elogiar, ensina bem isto no Tractatus de Primo Principio. Ocorre que, se a biologia saísse da série acidental de causas naturais na qual está imersa, ainda que a pretexto de investigar uma suposta origem da vida, já não seria ciência natural, como acima se destacou.

    E mais:


    • a hipótese da evolução, mesmo se forçosamente a desvinculássemos da questão referente à origem das espécies, em virtude do seu caráter de explicação totalizante, abarcadora de toda a série causal (dos primeiros organismos unicelulares até as espécies contemporâneas, que deles “evoluíram”), padece de semelhante carência: nas causas ordenadas acidentalmente, é impossível definir um primeiro simpliciter. Mas sem o primeiro não há o segundo e, portanto, não existe a série. Querer, pois, estatuir uma verdade que englobe uma série de causas sem conhecer sequer o princípio dela é, para dizer o mínimo, ter da ciência um conceito muito baixo.[3]


    No plano ontológico, por ora basta-nos o fato já apontado de que a forma dos entes é princípio de especificação e de operação. E que, para não sucumbir diante da primeira objeção filosófica, a hipótese da evolução precisaria provar antes de tudo a possibilidade de uma forma entis ir além das potências que a circunscrevem. E não venham os biólogos argüir que se está misturando biologia com metafísica, ciência com filosofia, pois na verdade é justamente o oposto que ocorre: a cobrança de uma prova metafísica para a hipótese da evolução impõe-se porque, em si, tal hipótese é má-metafísica com roupagem de ciência natural, na medida em que aventa uma premissa que não lhe cabe enquanto ciência natural.





    Evolução e deificação da matéria

    O problema dos evolucionismos em geral não diz respeito apenas aos métodos de que se valem os seus propugnadores — inapropriados para a hipótese que pretendem provar cientificamente. Levadas as suas premissas às últimas conseqüências, observa-se que a teoria da evolução é uma mal-disfarçada espécie de deificação da matéria, pois, ainda que os naturalistas não saibam sequer o que seja propriamente a matéria, o fato é que, com a hipótese da evolução, creditam a ela um tipo absurdo de “omnipotência”, como veremos. O irônico de tudo isso é verificar que se trata de materialistas que desconhecem a natureza da matéria, o que no entanto se explica: quem conhece o que é a matéria deixa no ato de ser materialista, pois a matéria, mesmo quando organizada por uma forma, não dá conta de explicar a ordem do ser.

    Pois bem. Comecemos por um axioma escolástico muito simples e de valor universal: operari sequitur esse (o operar segue o ser) Ora, dizer isto significa o seguinte: nada opera senão enquanto é, pois o não-ser não pode operar. Portanto, o ser é a raiz primária de todas as operações, e, por conseguinte, de todas as potências. Nas palavras de Santo Tomás, ele é o ato de todos os atos e a perfeição de todas as perfeições. O seu primado é, portanto, absoluto, na medida em que o ser é o ato primeiro por si subsistente (primus autem actus subsistens per se, na expressão precisa e concisa do Aquinate).[4]



    Mas o ser tem outra característica marcante: por estar pressuposto em absolutamente em todas as coisas, ele é a atualidade de todas as formas existentes (actualitas cuiuslibet formae existentis).[5] Noutras palavras, toda forma — que, como vimos, é o princípio de especificação, ou seja, é o que distingue os entes em espécies — está para o ser assim como a potência está para o ato. E a matéria, por sua vez, está em potência para a forma, e ao unir-se a ela demarca um princípio e também um limite operativo para o ente. Assim, que um jacaré consiga ficar até duas horas embaixo d’água decorre do fato de que a matéria está nele organizada pela forma exatamente para operar assim. A sua qüididade contempla, em elevado grau, um tipo de respiração anaeróbica, ao passo que a forma entitativa humana (ou seja, a espécie homem) não possui tais potências.[6]



    Fixemos bem isto: o ser é o que de mais perfeito há em todas as coisas (ipsum esse est perfectissimum omnium) e é também a atualidade de todas as formas (actualitas omnium rerum, et etiam ipsarum formarum).[7] Em resumo, não há formas sem ser, e mais: a forma (enquanto essência) é o limite do ato de ser de um ente. Neste contexto, o grau de nobreza ontológica de um ente corresponde ao grau de ser que é atualizado nesta ou naquela forma, a qual dá ao ente tais ou quais possibilidades de operar; dá a ele, portanto, species. Assim, que o macaco de Darwin não possa resolver um problema de física quântica ou compreender as teses evolucionistas radica no fato de que a sua forma entis não possui potências intelectivas capazes de assimilar imaterialmente as formas das coisas. Ademais, pressupor que tal símio possa um dia — por meio de um complexo processo evolutivo “natural” — transcender às notas individuantes da matéria, sem ter contudo potências que o habilitem a tanto, é estabelecer um abismal salto na natureza.[8]

    Vale neste ponto relembrar que, na integração da forma com a matéria, compete à forma fixar a substância de ente num gênero ou numa espécie. Ora, vimos que a matéria não pode ser princípio de especificação porque, se o fosse, todos os entes compostos de matéria e forma (justamente por possuírem matéria em seu composto) seriam de uma mesma espécie, o que é absurdo. E como ato primeiro de organização da matéria, que tem a operação como ato segundo, dele decorrente, a forma define o ser substancial.[9] No caso do homem, por exemplo, a alma intelectiva é a sua forma substancial.

    Expostas todas estas coisas, observe-se que a matéria é de uma indigência ontológica sem par, visto que o seu grau de participação no ser é ínfimo. Sozinha, ela nada pode fazer, pois é inerte por natureza. E mais: tudo o que tem ser possui certas tendências, aptidões ou inclinações naturais, e neste contexto a materia prima, não podendo ser caracterizada como não-ser em sentido absoluto — pois então seria impotente para assumir quaisquer formas —, é tendência radical às formas. Ou seja: a materia prima é potência para o ser substancial,[10] ou, noutra formulação, ela é princípio absolutamente potencial. Ou seja, ela é informe enquanto princípio potencial, mas isto não implica que na realidade ela não possua formas, como se explicará adiante.

    Para evitar mal-entendidos posteriores, vale dizer que nos referimos, com a presente definição, à materia prima enquanto potência, mas ainda não abordamos amiúde dois problemas:

    a) se a sua informação (ou seja, o receber as formas) foi simultânea ou sucessiva ao seu surgimento;

    b) e se ela foi informada apenas por alguns elementos ou já recebeu formas entitativas prontas.

    Baste-nos frisar que, como primo principium passivum, ela é potência para o ser; ou seja, é ser potencial.[11]

    A propósito, observou-se anteriormente que a física não pode dar qualquer resolução teorética satisfatória acerca da natureza da materia prima, pois até mesmo para chegar-se à conclusão de que ela existe é exigida uma abstração de terceiro grau — eminentemente metafísica. Muito menos a biologia ou outras ciências naturais podem fazê-lo. Portanto, ao se indicar que os evolucionismos deificam a matéria, por lhe atribuírem superpotências operativas, está-se fazendo referência imediata à materia secunda, que é potência para o ser acidental, e não à materia prima enquanto potência para o ser, que eles sequer alcançam conceber.

    Abra-se aqui um breve parêntese para registrar que há, no tomismo contemporâneo, quem sustente a idéia de que a materia prima se identifica de alguma maneira com as formas “elementais”[12] a partir das quais se teriam desenvolvido sucessivamente formas posteriores — tese de que discordamos peremptória e decisivamente. Entre outras cosas porque o Aquinate é claríssimo ao afirmar, em diferentes passagens de sua obra, que o estado informe da matéria (materia prima) não precedeu no tempo à sua informação (materia secunda).

    Entre outros argumentos, pelos seguintes:[13]




    • Se a matéria informe precedeu em duração à matéria informada, isto implicaria dizer que ela existia em ato antes de ser informada. Ora, tal premissa pressupõe a existência de um ser atual sem ato, o que implica contradição (quod implicat contradictionem).



    • Toda imperfeição de um efeito provém de imperfeições no agente que o causou. Ora, Deus (cuja existência está provada) é o agente omniperfeito. Logo, nenhuma coisa feita por Ele poderia ser, em sentido absoluto, informe na realidade (o que indicaria certa imperfeição).



    • Se o estado informe (materia prima) porventura precedeu no tempo à formação da matéria (materia secunda), seguir-se-ia que, desde o princípio, reinou a confusão entre as coisas materiais, à qual os gregos chamavam caos.


    Ora, como o tempo surge com a materia prima,[14] daí se segue que, se houver alguma precedência da materia prima com relação à materia secunda, será quanto à natureza, mas não cronológica.[15] Para a compreensão disto, deve-se saber que Deus está fora do tempo; portanto, opera Ele desde a eternidade ordenando umas coisas a outras de acordo com a Sua Providência sapientíssima, razão pela qual os Seus decretos implicam, sim, precedência ontológica de umas coisas em relação a outras, mas não necessariamente cronológica.[16] Ocorre que de nenhuma dessas premissas se segue que a materia prima tenha possuído desde o início apenas formas “elementais” com potência para evoluir em outras — por meio de uma mescla acidental de elementos, embora se possa conceder que tal hipotética mescla possa realizar-se eficientemente por Deus, de potentia absoluta. Falaremos noutra ocasião acerca do tipo de atualidade que a materia prima possui, mas as características até aqui apontadas já nos servem como fio condutor da presente prova metafísica. Fechemos agora este parêntese relativo a um problema da escola tomista e voltemos ao tema que nos ocupa.

    A materia secunda, justamente por já estar informada, participa do limite de ser e de operação que há no ente. Mas ela, assim como a materia prima, também não possui potências ativas — mas tão-somente potências passivas, que são (reiteremos!) limitadoras das potências ativas radicadas na forma. Assim, desde os entes unicelulares do pool genético ancestral, pressuposto na hipótese da evolução, até o homem, existe sempre uma forma organizadora da matéria, mas também limitada por ela. Somente um ente sem composição de matéria em sua forma poderia não ser limitado pela matéria em seu ser e em seu operar.[17] Em resumo: todo ente composto de matéria e forma possui um conjunto específico de potências ativas e passivas (maior ou menor, não importa).

    Mas as potências da matéria, exatamente por serem passivas, sofrem em geral a ação de outrem ao modo de corrupção. No melhor dos casos, sofrem-na ao modo de adaptação ao meio — com mudanças acidentais e/ou substanciais que já estavam incluídas na potência daquela matéria informada. Assim, quando por exemplo se produz vinagre de vinho, a forma avinagrada proveniente do vinho é uma transformação devida a uma alteração química num ente natural orgânico, mas não uma “evolução”, em sentido metafísico.

    A corrupção da forma pela matéria, portanto, não é outra coisa senão a perda de elementos.[18] Mas a contrária não é verdadeira: a aquisição de novos elementos (ou a sua mescla pura e simples) não basta para gerar uma nova espécie com potências operativas superiores na ordem do ser, entre outros fatores em virtude de seu caráter acidental — e o acidente sequer entra na divisão por gênero.[19] Ora, nos entes compostos de matéria e forma, o que não é genérico não pode, por sua vez, ser predicado como específico — pois a espécie é uma subdivisão do gênero. Por isto, uma espécie composta de matéria e forma que não pertença a um gênero é tão possível quanto um círculo quadrado, porque nesta categoria de entes o gênero radica na matéria, e a espécie, na forma.

    Por estes apontamentos se pode ver que só é possível a hipótese evolutiva se se tem de antemão uma concepção da matéria informada como realidade potencialmente ativa — e não como o que ela de fato é: potência passiva limitadora das operações da forma. Mas conceber isso é absurdo porque até mesmo os elementos constitutivos dos corpos cumprem um papel predispositivo da matéria em relação à forma, contribuindo para a integridade da natureza substancial mista. Nas palavras de Santo Tomás, toda forma substancial requer uma disposição adequada da matéria, sem a qual não pode existir, daí ser a alteração um caminho entre a geração e a corrupção.[20] Mas quem disse que a geração, neste caso, é de uma espécie com potências ativas superiores?

    Fica, pois, estabelecido que a hipótese da evolução traz consigo a premissa oculta de que a materia secunda tem potências ativas “infinitas”. Potências para mudar populações de organismos ao longo dos tempos — de maneira não-aleatória (seleção natural) ou de maneira aleatória (deriva genética). Seja como for, uma coisa é modificarem-se as características de uma espécie no decorrer dos séculos, ou mesmo chegar a espécie a corromper-se, extinguir-se totalmente; outra, muito distinta, é pressupor que uma espécie supere, de uma maneira ou de outra, as inalienáveis contingências metafísicas em que está arrojada.

    Ademais, a primeira potência ativa na ordem do ser (radical e infinita) é d’Aquele cuja essência é ser em sentido absoluto. D’Aquele a quem, normalmente, damos o nome de Deus (quam omnes Deum nominant).[21]
    ________________________

    1- É impossível falar de “evolução” das espécies de forma totalmente dissociada do problema da origem da vida, não obstante sejam questões distintas. Na presente série, o vocábulo “evolução” serve tanto para fazer referência à origem da vida segundo os naturalistas, como para fazer referência à hipótese da evolução propriamente dita.

    2- Mas não ad infinitum, visto que o infinito numérico é impossível. A menos que usemos o termo “infinito” por meio de uma analogia.

    3- É claro que há incontáveis explicações naturalistas para a origem da vida na Terra. Mas uma explicação que se pretende universal e não alcança valor de prova apodíctica não é outra coisa senão uma petição de princípios. Ora, um metafísico jamais poderá aceitar que uma ciência se erga inteiramente sobre hipóteses. Neste contexto, quando se começa a procurar entre biólogos, geneticistas, paleontólogos, bioquímicos ou embriologistas quais são as suas explicações sobre a origem da vida, a discrepância entre eles já é um indicador de que não se trata de princípios nem de evidências, mas sim de hipóteses mais ou menos plausíveis de acordo com sua maior ou menor conveniência com a tese defendida. Portanto, petitio principii.

    4- Tomás de Aquino, Quodl. XII, q.5, art.1.

    5- Tomás de Aquino, Quodl. XII, q.5, art.1.

    6- Reiteramos o que foi dito anteriormente: species, aqui, é um termo usado em clave metafísica.

    7- Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q.4, art.1., ad.3

    8- Além, é claro, de agredir um princípio metafísico universalíssimo: o operar radica no ser, e este se atualiza em formas com potências mais ou menos limitadas, visto que, nos entes, a essência não se identifica com o ser em grau máximo. Só em Deus a essência pode ser dita ser em sentido absoluto.

    9- Referimo-nos aqui, evidentemente, às formas substanciais e não às formas acidentais.

    10- Tomás de Aquino, De princ.nat., c 1, n.338.

    11- Definir a materia prima como princípio absolutamente potencial não implica dizer que ela seja o não-ser, mas sim tomá-la como o ser em potência ou potência para o ser — o que a distingue do nada.

    12- Quase ao modo como alguns entenderam as razões seminais de Santo Agostinho.

    13- Cf. Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. 66, art. 1, sed contra e corpus. Neste ponto convém registrar que o tempo que se iniciou com a matéria informe.

    14- Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. 66, art. 4.

    15- Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. 66, art. 4.

    16- A título de exemplo, é desse tipo a precedência das verdades capitais da teologia mariana. Maria é mãe de Deus e em ordem a isto é que recebeu a plenitude da graça. Há, portanto, precedência ontológica da maternidade divina de Maria em relação a ela ser plena de graça, mas não cronológica, porque em Deus não há cronos.

    17- Ou seja: os Anjos.

    18- Cf. Tomás de Aquino, In Met. V lec.4 n.800.

    19- Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q. 80,, a.3, ad.3

    20-“Omnis forma substantialis propria requirit dispositionem in materia”. Tomás de Aquino, De mix. ele, I, 6.


    21- Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. 2, art. 3, resp.

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