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Tema: A metafísica contra a teoria da evolução

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    Re: A metafísica contra a teoria da evolução

    A metafísica contra a teoria da evolução (V): a criação, um problema de natureza diversa



    “Concedamos espaço maior, papel mais relevante, às causas segundas; mas não concedamos nada à evolução porque ela é uma monstruosidade metafísica que não cabe em lugar algum”.

    Gustavo Corção

    (As Descontinuidades da Criação)

    (continuação deste texto)

    Sidney Silveira

    Santo Tomás de Aquino dedicou textos importantes de sua obra ao problema da criação. Isto em dois vetores: a criação em sentido geral e a criação do universo corpóreo. Em ambos os casos, comprovando a absoluta transcendência da causa primeira do ser com relação a todas as causas segundas. Estas, a propósito, sempre pressupõem em seu operar algo anterior, ao passo que a causa primeira não pode supor em suas operações algo que ela mesma produziu,[1] o que implicaria contradição. Ademais, nada pode haver anteriormente ao que é primeiro em sentido absoluto.

    A causa primeira do ser não é cognoscível — sob aspecto algum — por nenhuma das ciências naturais, visto que a natureza, com todas as suas operações, já se enquadra no contexto das causas segundas. A razão disto é que as causas naturais produzem este ou aquele ente, partindo sempre de algo anterior, ao passo que a causa primeira produz o ser. Assim, nem mesmo a materia prima como “ser real-potencial”, na feliz expressão do tomista Gallus M. Manser, pode ser objeto da física, da biologia ou de qualquer outra ciência natural, justamente por ser informe. Neste contexto, como se afirmou que o problema filosófico da criação nada tem a ver com a hipótese da evolução, cabe fazer algumas considerações a seu respeito.

    Comecemos pela observação do Aquinate de que os filósofos antigos — ao analisar a origem de todas as coisas — sempre consideraram um devir, uma geração, uma mutação a partir de matéria preexistente.[2] Nem mesmo Aristóteles, com o seu Primeiro Motor Imóvel, ultrapassou satisfatoriamente a idéia de uma materia prima existente desde sempre.[3] Na verdade, algo assemelha esses antigos filósofos da natureza aos cientistas contemporâneos que esboçam teses sobre a origem do universo, da vida, etc.: o não enxergar a inadequação entre os instrumentos de que se valem e as teorias que formulam.

    Para ter-se idéia de quão distinto da hipótese da evolução é o problema da criação, comecemos por observar, com Santo Tomás, o seguinte: tudo o que tem potência para ser e não ser, com certeza um dia não foi. Pois bem: não é possível que todos os entes do universo sejam assim (contingentes), pois se todos, sem nenhuma exceção, possuíssem potência para o não-ser, seria necessário admitir, retrocedendo nas séries de causas ordenadas per se, que em algum momento nada foi. Mas se isto fosse verdade, nada existiria agora, pois o nada não tem potências; portanto é absolutamente falso que todos os entes do universo sejam contingentes, quer dizer, que tenham potência para ser e não ser. Logo, é preciso conceber a existência de um ser que não tenha potência alguma para o não ser, ou seja: um ser absolutamente necessário, raiz possibilitante de todas as contingências.[4]

    Das cinco vias demonstrativas da existência de Deus, esta é a que mais firmemente conduz ao problema da criação, pois, ao conceber-se a existência de um (único) ser absolutamente necessário, surge a pergunta de como os contingentes dele provieram. Uma vez mais, salta aos olhos que a hipótese da evolução nada tem a ver com este problema, pois já parte das operações da natureza, ao passo que aqui se está indicando a causa de todas as naturezas — apontando para o seguinte: a existência de todo o conjunto de entes naturais do universo (do núcleo atômico aos buracos negros, do talo de grama às galáxias mais distantes) pressupõe algo supra naturam, quer dizer, algo fora da série de causas naturais, sem o que estas sequer existiriam. Noutras palavras, a natureza está orientada teleologicamente ao sobrenatural.

    O leitor que até aqui nos acompanhou há de estar convencido de que é totalmente falsa a dicotomia criacionismo/evolucionismo, pois sequer se trata do mesmo problema. E mais: a hipótese da evolução das espécies é um problema posterior, para cuja formulação honesta seria necessário antes de tudo resolver como é possível o trânsito de uma potência x a um ato y ao qual não está orientada — o que está pressuposto na tese de que uma espécie evolui em outra. E aqui reiteremos o que se disse anteriormente: a cobrança de uma prova metafísica para a hipótese da evolução justifica-se, na medida em que esta, partindo de algumas observações em seu âmbito restrito, quer impor-se como verdade transcendente e omniabarcante para toda uma série de causas naturais.

    Para demarcar ainda mais a diferença entre os problemas, diga-se que, em síntese, a criação pode considerar-se sob quatro aspectos distintos:


    • Com relação à sua causa material (termo a quo): productio ex nihilo. Ou seja, é a produção de todo o conjunto de entes, literalmente, do nada, e não de uma matéria preexistente. Isto ainda abordaremos em detalhe na continuação da série sobre a criação.



    • Com relação ao fim (termo ad quem): productio rei secundum totam substantiam. Ou seja, é a produção de todas de todas as coisas já em sua integridade substancial (matéria e forma, no caso dos entes com composição de matéria, e forma sem matéria, no caso das substâncias imateriais);



    • Com relação à causa eficiente: emanatio totius entis a causa universali, quae est Deus.[5] Ou seja, a proveniência de todos os entes de uma causa só universalíssima: o Próprio Ser Subsistente, Deus.



    • Com relação à ordem entre o termo a quo e o ad quem: transitus de non ente simpliciter ad ens simpliciter. Ou seja, o trânsito do nada em sentido absoluto a partir do Ente em sentido absoluto (que é o Próprio Ser). Daí dizer Santo Tomás que a criação é o primeiro ato que pode exercer-se sobre qualquer coisa (prima actio quae circa rem exercetur).


    Em resumo, a hipótese da evolução não apenas nada tem a ver com a criação, mas mais ainda: por lidar com o ente já formado, a evolução, devido ao seu intrínseco materialismo, sequer pode vislumbrar tão elevado problema metafísico, que finge não existir. Sequer pode vislumbrar que a criação lida com o ente que não pode, com propriedade, ser enquadrado em nenhum gênero, e por conseguinte em nenhuma espécie.

    A questão, portanto, não é contrapor a criação à evolução, mas cobrar desta última a apresentação de hipóteses verdadeiramente científicas, ou seja, que partam de premissas e princípios que não agridam a nenhum princípio universal da razão especulativa, sem o qual não pode sequer haver ciência.

    (continua)

    ______________________


    1-“Nullum agens praeexigit ad suam actionem quod per sua actionem producit”. Tomás de Aquino, Compêndio de Teologia, c.68

    2- Tomás de Aquino, Subst. Sep, c.7, ad.1.

    3- Santo Tomás, comentando a tese de Aristóteles sobre a eternidade do mundo, conclui que não é possível à razão decidir com certeza se o universo foi criado por Deus no tempo ou desde a eternidade. Mas, com relação à criação, propriamente, o Aquinate aponta em diferentes obras que a razão humana pode demonstrá-la de forma apodítica. E ele o fez. Veja-se, portanto, que se trata de dois problemas distintos: o da criação e o de se ela aconteceu no tempo ou desde a eternidade (neste caso, com a pressuposição de que Deus poderia produzir algo fora do tempo).

    4- Cf. Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. 2, art. 3, resp.

    5-Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. 45, art. 1.

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    Re: A metafísica contra a teoria da evolução

    A metafísica contra a teoria da evolução (VI): a natureza dos predicáveis




    (continuação deste texto)

    Sidney Silveira


    Embora útil e adequada aos fins a que visa, a taxonomia da ciência biológica tende à entropia, pois multiplica ad infinitum as espécies a partir de pequenas diferenças materiais, sem a consideração prévia de que a matéria só pode ser raiz comum do gênero corpo — animado ou inanimado, conforme a clássica divisão da Árvore de Porfírio —, mas não um princípio definidor das espécies.[1] Veremos, a seu tempo, como esse modo de classificação (útil e adequado, repitamos, para a biologia) está indevidamente implicado na hipótese da evolução, e induz a um erro basilar quando se tenta aplicá-lo ao conjunto das espécies assim entendidas.

    Contudo, como se vem apontando ao longo do presente estudo que a forma de um ente é o seu princípio de operação e de especificação, ou seja, é o que o faz ser diferente em espécie de todos os demais, vale fazer alguns aprofundamentos relativos a este tópico. Comecemos, pois, esclarecendo como algo pode, fundamentalmente, ser predicado de outro.

    Trata-se, a propósito, de princípios pré-categoriais implicados em qualquer classificação possível por parte da inteligência humana.




    O lugar do gênero e da espécie entre os predicáveis


    1. O gênero


    Partamos da consideração de que o intelecto humano é, radicalmente, essa potência para abstrair as condições individuantes da matéria e alcançar a região das formas inteligíveis, ou seja, alcançar o universal pelo particular. E também de que, nesta abstração da matéria, ele está apto a separar racionalmente coisas que estão em si unidas na realidade, atribuindo a muitos o que percebe em um (intenção de universalidade). Neste contexto, diz-se que a inteligência não está presa à matéria porque o seu objeto formal está além da matéria: a species intelligibilis, o ente imaterial ao qual o homem chega por um processo que se inicia nas potências sensitivas, passa pelo intelecto possível[2] e culmina numa “iluminação” do intelecto agente, como veremos.[3]

    Dada esta atividade abstrativa da inteligência humana,[4] abra-se um parêntese para registrar que os conceitos por ela formulados são referentes antes de tudo à substância (ente), à qualidade (forma) e à quantidade (matéria) — neste último caso, evidentemente, em se tratando de entes compostos de matéria e forma. Todos os demais conceitos ou predicamentos, de alguma maneira, supõem estes. Mas como, afinal, se pode dizer que algo pertence a um gênero de ente?

    Para responder a esta pergunta, deve-se levar em conta que os entes naturais são por nós conhecidos com a matéria, e não sem ela. Seja com esta ou com aquela matéria, não importa; o fato é que eles nos chegam devidamente limitados pelas condições da matéria assinalada por certa quantidade. Esta, por sua vez, é captável pelas potências sensitivas externas (tato, olfato, audição visão e paladar) e laborada pelas potências sensitivas internas (senso comum, memória, imaginação e cogitativa). Assim, por exemplo, as cores de determinada superfície, em virtude da luz que as torna visíveis, agem sobre a potência da visão e produzem uma forma (species) na base do intelecto possível — à qual chamamos "forma inteligível". Essa forma imaterial passa a estar presente virtualmente na potência intelectiva, até que o intelecto agente atualiza-a, fazendo-a passar de potencialmente inteligível a inteligida em ato. Neste sentido é que a gnosiologia tomista afirma que o intelecto agente ilumina a forma inteligível.[5]

    Neste processo se chega ao universal: deste azul individuado naquela matéria y à forma inteligível azul — universal e distinta em espécie de todas as demais cores. Como se vê, trata-se de uma propriedade universal atribuída a este indivíduo, o que nos dá a clara indicação de que os universais não estão nas coisas reais, mas tão-somente na inteligência. Ninguém, portanto, jamais deparou com o azul, mas com este azul hic et nunc, abstraído da matéria pela potência intelectiva. Ninguém viu a humanidade, mas este ou aquele homem.

    Isto considerado, observe-se que a inteligência — abstraindo a matéria signata — descobre graus de universalidade. E um deles é justamente o gênero, percebido como o que é comum em muitas substâncias no que tange à sua quididade.[6] Ora, como ente de razão, o gênero também não possui ser na realidade (genus non est unum in re, nas palavras de Santo Tomás), mas apenas na inteligência, que o identifica e o classifica.

    A título de exemplo, neste contexto vale perguntar em que difeririam e em que se assemelhariam Platão, um asno e uma planta? Radicalmente, assemelha-os o fato de que todos estão no gênero da substância, mas este é o gênero generalíssimo e não conta para a nossa classificação, relativa a entes já compostos de matéria e forma.

    Portanto, o que neles é comum (e o que os diferencia) é:

    1- Possuir corpo;

    2- Possuir corpo animado;

    3- Possuir corpo animado sensitivo;

    4- Possuir corpo animado sensitivo e intelectivo (racional).

    Observa-se que, do corpo (primeiro gênero que é subalterno ao gênero generalíssimo, a substância), passando pelo segundo gênero subalterno (animal) até chegar a espécie ínfima especialíssima decorrente da racionalidade (ou seja, o homem) existe uma escala de diferenciações. Mas, a partir da espécie, as diferenciações só poderão ser numéricas, ou seja, materiais, e não específicas, ou seja, formais. Daí que Sócrates e Platão não difiram em espécie, mas em número.

    Portanto, as formas específicas encontram-se indeterminadas no gênero, e todos os predicáveis neste âmbito se referem a ele fundamentalmente. É neste exato sentido a matéria se diz princípio de determinação do gênero, e não da espécie.

    A seguir, após a definição de espécie, verifiquemos a atualidade da Árvore de Porfírio e sua pertinência ao problema que ora nos ocupa.

    (continua)

    __________

    1-
    Ou seja: a matéria não pode ser fundamento da especificação porque, nos entes compostos de matéria e forma, ela tem a função de condição predisponente para a forma realizar os seus atos próprios. Ademais, como se disse anterioremente, se a matéria fosse princípio de especificação, todos os entes com composição de matéria seriam de uma mesma espécie, o que é absurdo.
    2- Ou seja: dessa potência radical para todos os inteligíveis.
    3- Não há, portanto, o que alguns pensadores zubirianos chamam de cognição instantânea, pois, após inteligida uma essência pela primeira vez, não é necessário abstraí-la sempre e sempre, mas basta um reconhecimento (pela memória), desta ou daquela species inteligível particular, para que se perceba que o ente individual X pertence à essência Y. Assim, pois, quando o intelecto humano apreende um asno reconhecendo-o de imediato como asno, não se trata de cognição instantânea, pois mesmo neste caso o encontro do intelecto com a essência da coisa se dá por intermédio da species inteligível — a qual lhe aponta uma essência que já havia sido abstraída anteriormente das condições individuantes da matéria.

    4- Advirta-se que a abstração à qual se faz aqui referência é desta ou daquela matéria, ou seja, da matéria delimitada por certa quantidade — captável, por sua vez, pelos sentidos. É neste sentido que as coisas naturais são conhecidas pelo homem a partir desta ou daquela matéria informada.

    5- Luz do intelecto agente – lumen intellectus agentis – foi o conceito empregado por Tomás de Aquino ao fazer reparos à gnosiologia agostiniana da iluminação. Segundo o Bispo de Hipona, a percepção da verdade provém de uma direta iluminação divina na mente humana: é a luz divina o que propicia ao homem compreender as coisas por meio de símbolos e palavras. Em resumo, para Agostinho, a luz divina põe ao alcance do homem as verdades – que estão em seu interior como reflexo da própria verdade divina, eterna, necessária, imutável. Neste contexto, o mestre não faria mais do que transmitir ao discípulo os signos das coisas, e estes, para ser compreendidos, necessitariam haurir sua inteligibilidade da iluminação divina. A isto o Aquinate contrapõe o seguinte: se por “iluminação divina” se entende a potência da faculdade intelectiva ou a virtude encerrada nos primeiros princípios do entendimento, que não se adquirem por serem hábitos naturais inatos, então se pode dizer que Deus ilumina a mente humana. Mas a atividade cognoscitiva não consiste em o homem ser “iluminado” por Deus cada vez que entende algo. Para a aquisição da ciência requer-se o processo de compor e dividir raciocínios, tendo sempre como fundamento os primeiros princípios indemonstráveis. Neste contexto, o que faz o conhecimento passar da potência ao ato não é outra coisa senão o intelecto agente, princípio operativo inerente à alma humana. Esta é, pois, a função própria do intelecto agente – iluminar, fazer passar da potência ao ato um novo conteúdo inteligível. Cf. Santo Tomás de Aquino, De Ver q11 a1-2.
    6- “No que tange à sua quididade” foi a expressão em português a mim sugerida pelo tradutor Luiz Astorga para a quase intraduzível expressão latina in eo quod quid. Ou seja: na definição do Aquinate, gênero é o que se predica de muitas coisas distintas em espécie in eo quod quid, quer dizer, “no que tange à sua quididade”.

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  3. #3
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    Re: A metafísica contra a teoria da evolução

    A metafísica contra a teoria da evolução (VII): ainda os predicáveis


    (continuação deste texto)

    Sidney Silveira



    2. A espécie


    Para compreender os predicamentos (categorias filosóficas básicas), é necessário antes conhecer os predicáveis (pré-categorias) — saber identificá-los e classificá-los devidamente, pois, como dizia Santo Tomás, fundamentalmente os predicamentos não são outra coisa senão certa relação lógica entre os predicáveis. Sem isso, não foram dados sequer os primeiros passos na filosofia.

    Qualquer estudante do período escolástico, orientado desde a sua iniciação filosófica para formar-se nas sete artes liberais — herdeiras medievais das sete disciplinas encíclicas (έγκυκλία παιδεύματα) da Escola de Alexandria —, conhecia de cor esta lição. Daí ter o máximo cuidado de evitar alguns escolhos no âmbito dos predicamentos, que, se não fossem devidamente superados, o fariam passar vergonha perante os colegas. Neste contexto, infelizmente, quando as ciências naturais contemporâneas saem do seu escopo e se transformam num arremedo de metafísica, acabam transformando-se em ideologia científica, como diz Carlos Casanova no citado Reflexiones Metafísicas sobre la Ciencia Natural. Nestas ocasiões, mostram ignorar totalmente a ordem predicamental.

    Pois muito bem. Ficou antes estabelecido como se pode dizer que o predicável gênero tem fundamento na matéria — ou seja, na medida em que o primeiro gênero subalterno é o corpo. Para se ter idéia de quão espinhoso é o problema, este princípio levou Santo Tomás de Aquino a dificuldades para colocar as criaturas espirituais num gênero, já que lhes falta esse fundamento genérico comum da matéria. Mas não mudemos de assunto e assinalemos agora algumas características do predicável seguinte: a espécie.

    Diz o Aquinate, comentando a lógica aristotélica, que a espécie é o que se diz de muitas coisas diferentes numericamente no que tange à qüididade.[1]Trata-se na verdade de um termo polivalente, mas enquanto predicável é aquilo que diz respeito à essência de um ente e lhe indica a um só tempo o gênero próximo e a diferença específica. Por exemplo, quando se diz que João é animal racional, está sendo indicada nesta proposição a species constituitur ex genere et diferentia,[2]. Trata-se, reiteremos, do conjunto de notas (qualidades) que se podem predicar de muitos entes semelhantes no tocante à forma.[3] Quanto aos vários outros usos do terno “espécie” em Santo Tomás, deixemo-los para outra ocasião para não perder o fio da meada.

    Para o que nos interessa, basta por ora saber que a espécie se predica do indivíduo, e o gênero se predica da espécie e do indivíduo. Mas atenção: tal predicação não diz respeito a acidentes materiais do indivíduo, nem a diferenças específicas dele em relação aos seus pares (como acontece em algumas classificações da taxonomia biológica, ao distinguir como espécies distintas entes com potências operativas idênticas), mas à essência — e, por conseguinte, às propriedades inalienáveis dela. A suas notas diferenciais com relação a todas as demais espécies.

    E aqui chegamos ao predicável próprio.



    3. O próprio

    Em síntese, próprio é o que, embora não seja a essência de um ente, a ela está inextricavelmente associado. Pode-se por isso dizer que ele é uma emanação das potências que radicam em tal ou qual forma entis — de maneira que, ao ser identificado, se identifica no ato a essência da qual participa. Assim, por exemplo, a risibilidade é propriamente humana, porque nenhum dos outros entes animados possui a propriedade do riso, na medida em que o riso é o reflexo sensível, orgânico, de um tipo de fruição espiritual que radica na vontade e na inteligência. Portanto, sorrir, em sentido próprio, não é abanar o rabo como um cão, mas expressar fisicamente certo gozo no qual estão implicadas a inteligência e a vontade.

    O cão não pode rir de uma piada, por exemplo, porque rir de uma piada pressupõe o entendimento de um desvio no curso natural do fato narrado, ou a compreensão do inusitado de uma situação, etc. Nestes casos, quando alguém ri é porque, em geral, entende que a situação foge ao habitual, e às vezes, mesmo sendo constrangedor ou impróprio rir, a pessoa não consegue conter-se porque a comicidade do fato se impõe à sua inteligência.[4] Com estes breves apontamentos agora se vislumbra uma definição precisa: próprio é um acidente inseparável da espécie. E o é porque se dá sempre e em todos na espécie. Noutras palavras, trata-se de um tipo de contingência que não pode ocorrer senão naquela espécie, pois é sua propriedade ímpar.

    Esta definição aplica à espécie as categorias de tempo (sempre) e de quantidade (todos) porque há acidentes inseparáveis que não se dão em todos. Ou seja: há acidentes inseparáveis do indivíduo, e não da espécie, como por exemplo o ser macho ou fêmea. E há, por fim, os acidentes inseparáveis do gênero, como por exemplo a sensibilidade no animal, ou o peso nos corpos. Mas estes últimos não se podem dizer próprios senão por analogia, justamente porque se dão em várias espécies. E quanto aos primeiros, repitamos, não se podem dizer próprios porque se dão apenas neste ou naquele indivíduo.

    Falaremos a seguir da diferença específica e dos acidentes, os dois últimos predicáveis.

    (continua)

    __________________________

    1- Novamente: “In eo quod quid”.

    2- Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q.3, art.5.

    3- E, na clássica definição do Aquinate, o selhemante é o uno na qualidade.

    4- Como não é a propósito do tema em questão, não entraremos em pormenores interessantes, a saber: de que forma pode dar-se nos anjos a ratio risibilis, já que eles não possuem corpo e o riso é o reflexo sensível de um ato espiritual. E como classificar o riso maléfico, ou seja, o que representa o gozo espiritual com o mal que sucede a outrem. Deixaremos estes problemas para o artigo sobre o riso que publicaremos mais à frente.

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