As descobertas da arqueologia sobre a vida de Lutero



Recentemente, foram feitas análises arqueológicas, que foram obtidas de escavações feitas no monastério de Wittenberg, que foi também a residência de Martinho Lutero, para obter mais informações sobre o monge da Ordem de Santo Agostinho, que foi o pai da Reforma Cristã, a cisão que resultou na criação das Igrejas Protestantes. Revelaram-se e comprovaram-se fatos e idéias, em diversas medidas que agradam e desagradam aos católicos e os protestantes. Retomando diversas afirmações, como a de que o corpulento monge Lutero estava sentado na privada do Monastério, usando o hábito preto de sua Ordem, quando foi assaltado de repente em sua mente pelo conceito fundamentalista de umas idéias reformistas.
Ele mesmo observou em dois discursos, que o Protestantismo nasceu no esgoto: “O Espírito Santo me revelou a sua criação nesta cloaca.” Alguns historiadores atenuaram a confissão do próprio Lutero, argumentando que a palavra “cloaca” poderia ser interpretada como “banheiro”, e que talvez fosse um termo mais genérico para dizer “este mundo”. Mas a verdade é mesmo de um mau gosto, tal como o mestre havia contado. As escavações no Monastério de Wittenberg descobriram não apenas os restos do antigo escritório de Lutero, mas também “um pequeno buraco de latrina com uma tampa” no porão.

Falastrão e blasfêmico
Essas descobertas resultaram de uma escavação arqueológica que começou em 2003 e terminou há poucas semanas com a análise final do sítio arqueológico. Historiadores da arquitetura, especialistas em cerâmica e zoólogos desvendaram o lixo da cozinha de Lutero, o homem cujas teorias mudaram o mundo, e que se referia a si mesmo com orgulho como o “doutor acima de todos os doutores de todo o papado”. Lutero, considerado um herói nacional alemão, foi tema de dezenas de biografias. A sua tradução da Bíblia para a língua alemã foi tão influente quanto as suas blasfêmias que são memoráveis.
Agora os arqueólogos descobriram novas informações surpreendentes sobre o reformador religioso em três diferentes sítios de escavação: O chão da casa em que Lutero nasceu, na cidade de Eisleben; A casa de seus pais na cidade de Mansfeld; e a propriedade em Wittenberg, onde o ex-monge viveu com sua mulher e os seus seis filhos. As escavações revelaram vários brinquedos e restos de comida, pratos quebrados e grãos (datados do ano 1500, pelo método C14). Os arqueólogos também encontraram a aliança de casamento de sua mulher e uma poupança de 250 moedas de prata. Esses objetos coletados estão na exposição em andamento do Museu de Pré-História do Estado Alemão. O catálogo descreve o conteúdo da exibição como “sensacional”, dizendo que ela nos permite reexaminar “capítulos inteiros da vida humana”, informou uma matéria distribuída pela agência estatal de notícias Deutsche Welle.

A importância da diferença entre prego e tachinha
Obviamente essa releitura arqueológica, baseada na “bisbilhotagem” no lixo do fundador da igreja Protestante não foi encarada com entusiasmo pelas congregações protestantes da Alemanha. Nem mesmo fora do país, provavelmente. Para elas, a idéia de que a família de Lutero jogava gatos mortos no lixo da casa é tão irrelevante, do ponto de vista religioso, quanto a suspeita de que Lutero, quando era monge, tenha pregado suas teses na parede da igreja com tachas e não com os pregos como se alegava anteriormente. Mas o lixo da casa de Lutero não deve ser subestimado. Parte dele, analisado com o uso de métodos de criminologia, está relacionado aos trabalhos intelectuais do reformista, e revela até mesmo que ele nem sempre foi totalmente honesto.
Por exemplo, Lutero mentiu sobre as circunstâncias sociais de seus pais. Ele dizia que era filho de um “minerador pobre” que se matava de trabalhar nas minas com sua picareta, e que “minha mãe carregava toda a madeira nas costas até em casa”. Mas isso está longe da verdade. O pai de Lutero já era dono de um moinho de cobre quando era jovem, enquanto que a sua mãe vinha de uma família burguesa em Eisenach e tinha boas conexões com a administração real das minas. O tamanho e grandiosidade de sua casa, conforme revelou a escavação, estavam de acordo com seu status econômico. A frente da casa, que dava para a rua, tinha 25 metros de comprimento. A escavação também revelou grandes cofres no porão e um quintal cercado por grandes construções. Era onde o jovem Martinho e seus irmãos brincaram, cercados de gansos e galinhas. Os fragmentos encontrados no sítio revelaram que eles brincavam com arco e flecha, bolinhas de gude de barro e pinos de boliche feitos de ossos de boi - brinquedos que muitas famílias não eram capazes de comprar na época.

Olhando para si, criou o protestantismo
Foi atrvés de um olhar psicanalítico para o próprio umbigo que levou o monge Martinho Lutero a perder sua antiga crença na certeza da fé. Seus pensamentos hereges incluíram então as cartas de indulgência que os cristãos usavam para comprar da Igreja a redenção e remissão de seus pecados. Ao fazer isso, Lutero estava atacando o sangue vital do Vaticano pois a Igreja ganhava milhões com as cartas.
Seu rompimento final com a Igreja veio durante a “experiência da torre” em 1516. Lutero estava convencido de que o homem poderia receber a redenção apenas através da “graça” de Deus, e não por meio de pagamentos e boas ações. De acordo com o seu ponto de vista, o homem era um servo indigno, sempre tentado pelo mal. A crença que nasceu repentinamente no monge de Wittenberg enquanto ele estava sentado na privada foi a de que Jesus havia trazido a salvação para os homens apesar dos pecados destes.
As 95 teses resultantes disso, pregadas na porta da abadia no ano seguinte, no dia 31 de outubro de 1517, rapidamente incendiaram a Europa do início do século XVI. O imperador ameaçou condenar o insurgente à morte, mas Lutero escondeu-se no Castelo de Wartburg, onde continuou a escrever. Ele declarou inválidos todos os sete sacramentos exceto dois (o batismo e a eucaristia), e criticou o culto às relíquias como sendo uma “coisa morta”.
Perseguido e condenado pelo papa, mesmo assim Lutero não parou de produzir. Três anos depois, em 20 de novembro de 1520, publicou “A Liberdade de um Cristão”. As duas teses que Lutero desenvolveu nesse tratado são aparentemente contraditórias. Mas na verdade, são complementares: “O cristão é um senhor libérrimo sobre tudo, e a ninguém sujeito”; “O cristão é um servo oficiosíssimo de tudo, e a todos sujeito”. A primeira delas é válida na fé; a segunda, no amor.

Proibir o casamento, era o mesmo que proibir de defecar
O escândalo começou a atrair cada vez mais pessoas, quebrando a unidade da cristandade européia. O Mosteiro de Wittenberg fechou suas portas em 1522. O prédio foi dado a Lutero para uso próprio. Ele se estabeleceu ali depois de casar-se com a ex-freira católica Catherine von Bora, a quem ele se referia de forma excêntrica como “Senhor Käthe”. Ele não se interessava mais pelo celibato, que argumentava ser contra a natureza humana. A Cúria, argumentava, poderia “com a mesma facilidade ter proibido os fiéis o ato de defecar”.
Lutero era tremendamente prolífico, escrevendo uma média de 1.800 páginas por ano. Seu tom tornou-se cada vez mais rude com o passar dos anos. Ele chamou os turcos de “demônios”, os judeus de “mentirosos” e os padres homossexuais de “irmãos de jardim que fazem aquilo uns com os outros”. Roma, escreveu, estava cercada de “teólogos porcos”.

Glutão e triste
Após escrever palavras tão afiadas, o eloqüente reformista, como mostram os estudos arqueológicos, comia em tigelas de cerâmica e bebia de magníficas jarras turcas. Os arqueólogos encontraram azulejos de forno decorados com motivos do Velho Testamento, além de mais de 1600 cacos de copos que Lutero, um glutão voraz, usava para matar sua sede enorme de cerveja. Lutero precisava anestesiar suas emoções. Os ataques da Reforma contra o cerne apostólico lhe custaram muito. Ele era constantemente atacado pela tristeza.

Afastava seus demônios com um peido
Em momentos de remorso, Lutero sofria com a certeza de que o demônio estava tentando convencê-lo a revogar as suas idéias. Sua resposta imediata era jogar tinteiros contra o demônio ou recorrer ao poder de suas entranhas: “Mas eu resisti ao demônio, e freqüentemente mandava ele embora com um peido”. Pelos seus inúmeros conflitos com o papa, não é nenhuma surpresa que o estresse tenha devastado a saúde de Lutero. Ele sofria de reumatismo e pedras no rim. Estava tão fraco que era levado para seus discursos de carroça por serviçais. Ele também sofria de angina pectoris, o que o tornava ansioso. Quando veio a gota, escrever tornou-se cada vez mais difícil para ele. Além disso, havia a obesidade. A princípio, o doutor pesava 100 quilos, depois 120, e finalmente, cerca de 150 quilos. Ele foi se deteriorando gradualmente e em seu leito de morte disse humildemente: “Somos apenas mendigos”.

Fonte: Der Spiegel