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Tema: Caritas in Veritate: OPINIONES.

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  1. #1
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    Respuesta: Caritas in Veritate: OPINIONES.

    Corte-e-costura e ainda a Encíclica "Caritas in Veritate" (II)

    Carlos Nougué
    Na presidência do Concílio Vaticano I (XX ecumênico, sobre a fé e a Igreja), Sua Santidade o Papa Pio IX definiu o seguinte:

    1838. Mas, como nestes nossos tempos, em que mais do que nunca se precisa da salutífera eficácia do ministério apostólico, muitos há que combatem esta autoridade, julgamos absolutamente necessário afirmar solenemente esta prerrogativa que o Filho Unigênito de Deus se dignou ajuntar ao supremo ofício pastoral.

    1839. Por isso Nós, apegando-nos à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para exaltação da religião católica, e para a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis.

    1840. [Cânon]: Se, porém, alguém ousar contrariar esta nossa definição, o que Deus não permita — seja anátema.”

    Por que o citamos? Porque, se o objetivo deste artigo é patentear o corte-e-costura que, por ocasião da encíclica do Papa Bento XVI Caritas in Veritate, uma multidão de não-católicos e de católicos liberais operou no magistério infalível da Igreja (bem como na obra do Aquinate, o que veremos mais adiante), uns para justificar sua crítica àquela encíclica, os outros para apoiá-la, não o podemos fazer senão partindo de pressupostos católicos católicos (com repetição necessária nos dias de hoje), sem os quais não se evidenciaria aquele corte e costura. E o primeiro desses pressupostos tem de ser, necessariamente, a infalibilidade papal, porque é fundando-nos nele que podemos dizer: ou se crê na infalibilidade papal e, por isso mesmo, se crê na integralidade da doutrina cristã que constitui o depósito da fé, ou não se pode crer em nada desta mesma doutrina ou depósito. A fé e a doutrina católicas não são um baú de idéias que podemos selecionar ao nosso arbítrio e bel-prazer, aceitando algumas e rejeitando as demais. Proceder assim é já pôr-se fora do campo católico (ou no campo católico liberal ou humanista, que, como diz o Padre Calderón, só se pode dizer católico ao modo de um câncer), e tal recorte em nossa íntegra doutrina é já, de per si, nada liso.

    Mas o que se acaba de dizer requer respostas a algumas objeções.

    1) Por que a doutrina católica ou é integralmente verdadeira ou absolutamente não o será? Ora, quem a impõe são os Romanos Pontífices, que são individualmente infalíveis em matéria de fé e moral, razão por que não pode haver contradição entre eles nesta matéria; ou o conjunto dos magistérios da seqüência temporal dos Papas é infalível como cada um deles, ou esta última afirmação não seria verdadeira. Logo, porque cremos na infalibilidade papal individual e pois em que o conjunto dos magistérios papais é ininterruptamente infalível em matéria de fé e moral, por isso mesmo ou a integralidade da doutrina católica que emana dessa seqüência é absolutamente verdadeira (e, pois, em nada contraditória), ou nenhuma das partes dela o será.

    2) Se tal é verdade, então por que se rejeita o magistério dos chamados Papas conciliares (ou seja, o magistério fundado nas teses aprovadas no Concílio Vaticano II), tal como, de fato, aqui se rejeitou a referida encíclica do Papa Bento XVI? Mas como tal é possível, se é inegável que quando a totalidade moral dos fiéis católicos professa crer em alguma verdade como de fé não pode enganar-se, sendo o sujeito deste ato a Igreja universal, incluídos os clérigos e os leigos, e o princípio pelo qual se atua a fé sobrenatural? Sucede, porém, que “a propriedade de infalibilidade deste ato não provém exclusiva, nem principal, nem formalmente da fé do povo cristão, mas do Magistério da Igreja, cujo sujeito não é a Igreja universal, mas o Papa e os bispos [sob ele], e cujo princípio não é a fé, mas o carisma da infalível verdade” (Padre Calderón, A Candeia Debaixo do Alqueire). Com efeito, “o magistério da Igreja é regra próxima da fé comum dos cristãos, porque só a ele foi prometida a assistência do Espírito Santo para conservar integralmente e propor indefectivelmente o depósito da fé” (ibdi.). Por isso, a infalibilidade in credendo da Igreja universal se reduz estritamente à infalibilidade in docendo da Hierarquia eclesiástica — e esta sentença, conquanto ainda não se possa dizer dogma de fé, “é todavia doutrina católica certa” (ibid.; grifo nosso). Mas os Papas conciliares não o aceitam, porque, coerentemente com o espírito do Concílio Vaticano II e conforme aos princípios liberal-democratistas que o fundaram, para eles o sentir comum dos fiéis é que é a regra próxima do magistério, “porque a assistência do Espírito Santo teria sido prometida em primeiro lugar à comunidade dos fiéis para viver em cada época o Evangelho, e só em segundo lugar o magistério é assistido para compreender, expressar e autorizar o que o Espírito diz à Igreja” (ibid.). Não seriam os fiéis, portanto, quem deveria seguir as definições do Magistério, mas o Magistério quem deveria acompanhar, digamos, as tendências dos fiéis. Ora, como pensam assim, os Papas conciliares, em vez de querer impor doutrina, depõem sua própria autoridade para fazê-lo; ademais, como diz Mons. Gasser, relator da Deputação da Fé no Vaticano I, “é necessária [para a infalibilidade] a intenção manifestada de definir a doutrina, ou de impor um fim à flutuação com respeito a certa doutrina ou coisa por definir, dando uma sentença definitiva, e propondo essa doutrina para ser defendida por toda a Igreja. Este elemento é certamente algo intrínseco a toda e qualquer definição dogmática sobre a fé ou os costumes ensinada pelo pastor e doutor da Igreja universal e que deve ser defendida por toda a Igreja” (apud ibid.). Como, pois, os Papas conciliares não querem nunca impor doutrina, nem, muito menos, impô-la no sentido dado por M. Gasser, mas tão-somente sugerir temas para o debate entre os fiéis e teólogos; como, ademais, pelo fato mesmo de deporem a autoridade que têm para impor doutrina, eles deixam de ter a assistência do Espírito Santo e perdem o carisma da infalibilidade; por isso mesmo não se está obrigado a aceitar seu magistério, estando-se antes, pelo contrário, obrigado a rejeitá-lo sempre e quando se oponha à doutrina ininterruptamente definida e imposta pelo Magistério ao longo do tempo. (Mas diga-se aos sedevacantistas: também é de fé que, se um dia um Papa conciliar comprometesse sua infalibilidade e quisesse impor doutrina, teria ele nisso, indefectivelmente, a assistência do Espírito Santo; e teríamos todos de aceitar tal doutrina, sob pena de pecado contra a mesma fé.)

    3) Mas, segundo a mesma definição dada por Pio IX e pelo Concílio Vaticano I, a assistência do Espírito Santo ocorre “quando o Romano Pontífice fala ex cathedra” e “sobre fé e moral”. Sendo assim, todas as demais formas de declaração papal não derivariam de tal assistência e, portanto, não trariam o selo da infalibilidade? A correta resposta a esta questão tem por princípio doutrinal os chamados “graus de autoridade nos atos de magistério”, graus cuja existência, como diz ainda o Padre Calderón (ibid.), está suficientemente estabelecida, mas cuja natureza não fora tão explicada como a infalibilidade. Com efeito, não só o magistério infalível (ou seja, aquele derivado de pronunciamentos ex cathedra sobre fé e costumes) tem a assistência do Espírito Santo; também a tem o magistério simplesmente autêntico, que por isso mesmo também exige dos fiéis religiosa submissão do intelecto. Sucede, porém, que “a assistência do Espírito Santo é comprometida em diversos graus, segundo a natureza dos diversos atos magisteriais” (ibid.). Explica-o o esquema De Ecclesia, preparatório do Concílio Vaticano II (e, como se sabe, posto de lado no decorrer do mesmo concílio). Com efeito, segundo ele, é doutrina católica certa que o magistério simplesmente autêntico (ou seja, não ex cathedra) se impõe aos fiéis segundo diversos graus de autoridade, dependentes da maneira diversa de expressar-se: “É necessário prestar obediência religiosa da vontade e da inteligência ao magistério autêntico do pontífice romano, mesmo quando não fala ex cathedra, de maneira que seu magistério supremo seja realmente reconhecido, e que se adira sinceramente ao ensinamento que propõe; fazendo-o segundo o espírito e a vontade por ele manifestados, que se reconhecem quer pela matéria dos documentos, quer pela freqüência da proposição da mesma doutrina, quer pela maneira de expressar-se” (apud ibid.). Seguia nisto, por exemplo, a Pio XII, de acordo com o qual, “para que não se privem de uma ajuda dada por Deus com tão generosa bondade, devem necessariamente prestar esta obediência não só às definições solenes da Igreja, mas também, guardando o modo devido – servato modo –, às outras constituições e decretos pelos quais algumas opiniões são proscritas e condenadas como perigosas ou más”. Ora, exatamente por isso é que “o critério de verdade do magister eclesiástico é a assistência do Espírito Santo atualizada por sua intenção ministerial, pois para falar em nome de Cristo ele não tem senão de fazê-lo intencionalmente; de maneira que [...], quanto mais impositiva for a intenção com que propõe sua sentença, mais assistida será pelo Espírito Santo e menos margem de erro terá” (Padre Calderón, ibid.). Se assim é, o magistério simplesmente autêntico da Hierarquia goza da assistência do Espírito Santo “em maior ou menor grau, tendo então sua sentença maior ou menor autoridade diante do católico fiel, segundo os diversos graus da intenção magisterial, que vão da probabilidade à certeza; devendo estes julgar-se more humano, quer dizer, segundo os critérios com que os homens costumam julgar as sentenças de seus mestres: ou pelo que expressamente dizem, ou pela matéria, ou pela solenidade do ato, ou pela freqüência com que são ensinadas” (ibid.). Ora, pelo dito, o discurso de ocasião do Papa Pio XII, ao fim da II Guerra Mundial, em que exaltou a democracia em geral não pode ter o mesmo grau de autoridade que o de seus escritos em que condena a democracia liberal. Mas o magistério dos Papas conciliares, pela razão de nele não se comprometer em nenhum grau a infalibilidade pontifícia, não tem nenhum grau de autoridade doutrinal (nem sequer naquilo em que eventualmente coincida com o magistério anterior, porque, com efeito, quem o tem é este, dado que no conciliar, ainda nisto, segue havendo defeito absoluto de intenção magisterial).

    4) A polêmica com respeito à Encíclica Caritas in Veritate gira em torno do direito das gentes, das relações internacionais e de um possível governo mundial, o que evidentemente se vincula ao assunto das relações entre Igreja e estado. Mas será este assunto matéria de fé e costumes? Ou seja, será matéria capaz de infalibilidade papal ou de assistência (em qualquer grau) do Espírito Santo? Comece-se por responder a isto com outra pergunta: é matéria de fé e de moral o tema físico da origem do universo, ou seja, se teve início com um big-bang ou não? Enquanto tema físico, certamente não o é; mas, admitido o big-bang enquanto hipótese, já seria matéria de fé o afirmar ou negar que foi Deus quem criou do nada e no tempo aquela ínfima e altamente concentrada partícula de energia (como se diz modernamente) ou de luz (como dizia o Bispo Robert Grosseteste no século XIII...) — sendo anátema o negá-lo. Similarmente, não é matéria de fé nem de moral escolher em determinado país entre dois ou mais regimes políticos naturalmente legítimos; mas, sim, o será se se trata de afirmar ou negar que todo e qualquer regime político tem de ordenar-se ao fim último do homem, Deus, e ao poder encarregado por Deus mesmo de prover o espiritualmente necessário para a salvação não só de cada indivíduo, mas também das multidões de indivíduos que constituem as cidades ou estados — sendo igualmente anátema o negá-lo.

    Pois bem, como veremos exaustivamente na próxima parte deste artigo, o que se acaba de dizer tem fundamento no magistério anterior ao Concílio Vaticano II; fundamento solidíssimo, conquanto, como igualmente veremos, não isento de lapsos. Mas lapso não quer dizer contradição; e contradição, neste assunto como em quaisquer outros, não houve entre os magistérios papais (que em verdade se reduziam a um) até a segunda metade do século XX, pelas razões já aduzidas.

    Damos a seguir uma lista de textos do Novo Testamento e de documentos papais (que sempre decorrem da Revelação) de algum modo representativos da posição católica católica acerca não só das relações entre Igreja e cidade, mas também deste seu desdobramento natural que são as relações entre Igreja e império e, pois, entre Igreja e um eventual governo mundial:

    Mateus XXII; Lucas XI; Lucas XXII; Apocalipse V; Romanos XIII; I Pedro II; Documento de excomunhão e deposição de Henrique IV (São Gregório VII); Epístola Sicut universitatis (Inocêncio III); Bula Unam Sanctam (Bonifácio VIII); Constituição Licet iuxta doctrinam (Erros de Marsílio de Pádua e de João de Jandun sobre a constituição da Igreja; João XX,); Encíclica Quanta cura (Pio IX); o Syllabus (Erros sobre a Igreja e seus direitos; Erros sobre a sociedade civil considerada quer em si mesma, quer em suas relações com a Igreja; Erros sobre o principado civil do Romano Pontífice; Pio IX); Encíclica Etsi multa luctuosa (Pio IX); Encíclica Quod Apostolici muneris (Pio IX); Encíclica Diuturnum illud (Leão XIII); Immortale Dei (Leão XIII); Encíclica Libertas, praestantissimus (Leão XIII); Encíclica Sapientiae christianae (Leão XIII); Encíclica Annum Sacrum (Leão XIII); Encíclica Rerum novarum (Leão XIII); Encíclica Graves de Communi Re (Leão XIII); Encíclica Vehementer Nos (S. Pio X); Encíclica Ubi arcano (Pio XI); Encíclica Quas primas (Pio XI); Encíclica Divini illius magistri (Pio XI); Encíclica Quadragesimo anno (Pio XI); Encíclica Firmissimam constantiam (Pio XI); e Encíclica Summi Pontificatus (Pio XII).

    Vejamos se após isto ainda será possível recortar o magistério da Igreja anterior ao Concílio Vaticano II para tentar fazê-lo dizer o que não diz.

    (Continua.)


    Em tempo 1: Resta ainda uma dupla objeção, que não pode ficar sem resposta. Por um lado, documentos pontifícios como Au milieu des sollicitudes (Leão XIII), como afirmam setores católicos tradicionais, parecem contrariar a doutrina de sempre da Igreja sobre as relações entre ela e os estados, para estimular, no caso, um ilegítimo ralliement; por outro lado, ao mesmo tempo que lança a Carta Magna da política católica que é a Quas primas, Pio XI parece errar gravemente, na prática, ao contribuir de algum modo para o esmagamento do movimento cristero pelo regime comunista-maçônico do México; e coisas semelhantes que se deram no pontificado de outros papas. Resposta. Quanto à primeira, pode um Papa num mesmo documento cometer algum erro de caráter prático e manter, paralelamente, a pureza e justeza doutrinais; também pode num documento de caráter eminentemente prático equivocar-se em toda a linha, sem com isso se equivocar em questões de doutrina. (Com respeito especificamente ao referido documento de Leão XII, vê-lo-emos na continuação deste artigo.) Quanto à segunda, questão delicada que especialmente os leigos devemos evitar, diga-se algo similar, mas complementar, ao que se disse quanto à primeira: Cristo não prometeu a assistência infalível do Espírito Santo à prática de governo dos Papas; nem os Papas empenham em nenhum grau sua infalibilidade em atos concretos de governo; tal assistência e tal infalibilidade têm que ver unicamente com sua autoridade magisterial.
    Adendo do Sidney: O demônio se vale da confusão para fomentar a cizânia e perder as almas. A vida cada vez mais me dá provas disto. Pois bem: como nesta semana procurou-me um distintíssimo senhor para, aos mais altos brados, falar cobras e lagartos da FSSPX e, por extensão, sobre algumas pessoas ligadas a ela no Brasil (usando os argumentos ad hominem, ad mulieribus e, também, “ab asnus”), sem contudo dignar-se a responder a nenhuma das objeções que eu lhe fizesse; e como eu soube, de fonte fidedigna, que estão a chamar-nos a mim e ao Nougué de sedecavantistas (artifício catalográfico bem mais fácil do que responder a objeções, prática típica de alguns católicos liberais, tutti buona gente), anuncio que em breve o Contra Impugnantes encerrará a série de textos sobre o sedevacantismo. Com um eloqüente ponto final depois do qual lançar-nos esse epíteto será simplesmente ridículo.

    Contra Impugnantes

  2. #2
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    Respuesta: Caritas in Veritate: OPINIONES.

    Corte-e-costura e ainda a Encíclica Caritas in veritate (III)

    Carlos Nougué
    Assim, pois, o reino de Cristo é o Reino da Verdade; e, como nos ensinou Ele mesmo, devemos pedir que venha a nós esse reino, e seja feita a vontade de seu Rei, “assim na terra como no céu”. Mais claro impossível: a vontade de um rei é império, e a que se manda cumprir no Padre-nosso é a de um rei cujo reino não é deste mundo, mas se exerce sobre este mundo — desde o interior das almas individuais até a multidão dos indivíduos humanos que constitui as cidades. Não o disse o mesmo Cristo, ressurecto: “Omnia potestas data est mihi in cœlo et in terra (Foi-me dado todo o poder no céu e na terra)” (Mat., XXVIII, 18)?

    Com isso, como se verá, derruem-se os fundamentos dos que querem ver nas palavras de Cristo: “Dai a César “o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mat., XX, 21), a confirmação da sua tese humanista-liberal de subordinação no máximo indireta do poder temporal ao espiritual. Não obstante, para que se patenteie tal derruimento, é preciso demonstrar antes que de fato Nosso Senhor Jesus Cristo não se contradiz ao enunciar as duas passagens acima (como se tal fosse possível...). E tal se faz mostrando:

    ● primeiro
    , que de fato Cristo instituiu duas jurisdições — uma, a de César, e outra, a da Igreja. (Com isso, diga-se brevemente, resolvia um dilema dos mais lúcidos pagãos, que, como Platão, ansiavam por um governo dos filósofos: “Se os filósofos não reinarem nas cidades, ou não vierem a coin*cidir a filosofia e o poder político, não haverá trégua para os males das cidades, nem para os do gênero humano” [A República, 473; cf. Padre Calderón, “El gobierno de los filósofos. La solución cristiana al dilema de Platón”, en A la luz de un ágape cordial, SS&CC ediciones, Mendoza 2007, pp. 101-132]. Era o modo possível de um pagão perceber os grilhões por que estava ligado seu mundo, e que pela Escritura sabemos serem os grilhões do demônio: com efeito, a tal ponto escravizava ele o mundo antigo, que “pôde oferecer a Nosso Senhor todos os reinos da terra: ‘Omnia tibi dabo’ [Mt., IV, 9]”;

    e, depois, que uma jurisdição (a temporal, a de César) se ordena essencialmente e não indiretamente à outra (a espiritual, a Igreja); e que, conquanto até se possa dizer que a potestade desta sobre aquela é, de certo modo, indireta, não assim com respeito à ordenação daquela a esta, que será essencial assim como essencial é a ordenação do corpo à alma no ente humano; como o é a ordenação da natureza à graça no justo; e, por fim, como o é a ordenação da razão à fé na Teologia.

    Com efeito, isto é capital para provar que a referida arte dos católicos humanistas ou liberais não passa de um mau ofício de corte-e-costura. Para chegarmos cabalmente a tal, porém, devemos proceder ordenadamente, ou seja, segundo as partes da própria Teologia: de seus princípios (os dados da fé) para as conclusões teológicas últimas (dadas pelos teólogos), passando pelas primeiras conclusões teológicas (dadas pelo magistério da Igreja). Concluamos, pois, antes de tudo o mais, a exposição dos dados da Escritura.

    A confirmação de que Jesus se diz rei não só no interior das almas humanas, mas também sobre as cidades dos homens, nos é dada pelos próprios judeus, que, após o diálogo entre Pilatos e Nosso Senhor em que aquele pergunta a Este se é rei e este responde que, sim, “tu o dizes, sou rei”, concluem: “Que mais testemunho nos é necessário? Nós mesmos o ouvimos [ou seja, que Jesus se disse rei] de sua própria boca.” Ora, se tanto o horizonte de Pilatos como o dos judeus é aqui, patentemente, o dos reinos terrestres, o de Cristo, embora obviamente não se cinja, muito pelo contrário, àquele, obviamente o inclui, porque de outro modo Ele nem sequer teria assentido, ainda que vagamente, à pergunta do romano.

    E, ainda do ângulo escriturístico, não confirmará o que dizemos o importantíssimo capítulo V do Apocalipse? Citamo-lo integralmente, com destaques e colchetes nossos: “E vi na mão direita do que estava sentado no trono [Deus Pai, cuja realeza Cristo herda por direito de nascimento eterno e de consubstancialidade divina] um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos. E vi um anjo forte que clamava em alta voz: Quem é digno de abrir o livro e desatar os seus selos? E ninguém podia, nem no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, abri-lo nem olhar para ele. E eu chorava muito, porque não se tinha encontrado ninguém que fosse digno de abrir o livro nem de olhar para ele. Então um dos anciãos me disse: Não chores: eis que o Leão da tribo de Judá [Cristo, rei por descendência carnal], da estirpe de Davi, venceu de modo que possa abrir o livro, e desatar os seus sete selos. E olhei, e eis que, no meio do trono e dos quatro animais, e no meio dos anciãos, estava de pé um Cordeiro [Cristo, rei por direito de conquista, resgate e redenção mediante sua própria Paixão e Morte na Cruz], parecendo ter sido imolado, o qual tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus, enviados por toda a terra. E veio, e recebeu o livro da mão direita do que estava sentado no trono. // E, tendo ele aberto o livro, os quatro animais e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um uma cítara e taças de ouro cheias de perfumes, que são as orações dos santos; e cantavam um cântico novo, dizendo: Digno sois, Senhor, de receber o livro, e de desatar os seus selos; porque fostes morto, e nos resgatastes para Deus com teu sangue, de toda tribo, e língua, e povo, e nação; e nos fizestes para o nosso Deus reis e sacerdotes [que melhor comprovação de que o poder temporal e o espiritual, a cidade e a Igreja, são dois co-princípios, essencialmente ordenados um ao outro?]; e reinaremos sobre a terra [precisamente, como poder temporal e espiritual enquanto co-princípios]. // E olhei, e ouvi a voz de muitos anjos em volta do trono, e dos animais, e dos anciãos, e era o número deles de miríades de miríades, os quais diziam em alta voz: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber a virtude [ou seja, a potestade ou poder], e a divindade, e a sabedoria, e a fortaleza, e a glória, e a honra, e o louvor. // E a todas as criaturas que há no céu, e sobre a terra, e debaixo da terra, e as que há no mar, e a todas as coisas que nestes (lugares) se encontram, as ouvi dizer [tal como no Salmo 148 são instadas a fazer]: Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, louvor e honra, e glória, e poder pelos séculos dos séculos. E os quatro animais diziam: Amém! E os vinte e quatro anciãos prostraram-se sobre o rosto, e adoraram aquele que vive pelos séculos dos séculos.”

    Prossigamos, porém, nas Escrituras, e examinemos duas passagens muito citadas pelos católicos humanistas ou liberais em favor de sua tese: a) Romanos XIII, 1-7; e b) I Pedro, II, 13-17. Segundo eles, tais passagens provariam suficientemente a autonomia da jurisdição temporal, e que, portanto, razão tinha Dante ao afirmar que o Império e a Igreja são dois poderes independentes e respectivamente vinculados aos dois fins últimos do homem, um natural e o outro sobrenatural. Vejamo-lo, dizendo desde já o que se demonstrará ao longo do artigo: tal conclusão não passa de meia-verdade, razão por que não é verdade alguma. Com efeito, ou a verdade é total, ou não passa de falsidade.

    a) “Toda e qualquer alma”, escreve São Paulo, “esteja sujeita aos poderes superiores, porque não há poder que não venha de Deus; e os (poderes) que existem foram instituídos por Deus. Aquele, pois, que resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus. E os que resistem atraem para si próprios a condenação. Porque os príncipes não são para temer pelas ações boas, mas pelas más. Queres, pois, não temer a autoridade? Faz o bem, e terás o louvor dela; porque (o príncipe) é instrumento de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, porque não é debalde que ele traz a espada. Porquanto ele é ministro de Deus vingador, para punir aquele que faz o mal. É, pois, necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por temor do castigo, mas também por motivo de consciência. Porque também por esta causa é que pagais os tributos; pois são ministros de Deus, servindo-o nisto mesmo. Pagai, pois, a todos o que lhes é devido; a quem tributo, o tributo; a quem imposto, o imposto; a quem temor, o temor; a quem honra, a honra.”

    b) “Sede, pois, submissos”, escreve por sua vez São Pedro, “a toda e qualquer instituição humana, por amor de Deus; quer ao rei, como a soberano; quer aos governadores, como a enviados por ele para tomar vingança dos malfeitores, e para louvar os bons; porque é esta a vontade Deus, e que, fazendo o bem, façais emudecer a ignorância dos homens insensatos; (procedendo) como (homens) livres, e não como tendo a liberdade por véu para encobrir a malícia, mas como servos de Deus. Honrai a todos, amai os irmãos, temei a Deus, respeitai o rei.”

    Ora, dessas duas passagens não se podem inferir senão os seguintes corolários imediatos:

    ● Deus instituiu, efetivamente, duas jurisdições;

    ● a própria jurisdição temporal e seus poderes provêm de Deus;

    ● os cristãos devem submissão, obediência e honra aos reis ou príncipes na medida mesma em que estes, como ministros de Deus, louvam os que praticam o bem e trazem a espada para a vindita, ou seja, para punir os que fazem o mal;

    ● mas não o devem fazer por temor ao mal, porque, com efeito, como já dizia Aristóteles (cf. Ética Nicomaquéia, V, 1, 1129a 3-26; 2, 1129a 26-10, 1135a 14; 10, 1135a 15-15, 1138b 5; 14, 1137a 31-15, 1138b 13), grande diferença há entre um ato justo (por exemplo, pagar uma dívida porque se tem medo do credor) e um ato de justiça (por exemplo, pagar uma dívida porque se está convicto de que sempre é justo pagar o devido); e porque, ademais, se a Antiga Lei obrigava sobretudo no ato exterior, a Nova obriga sobretudo no ato interior (cf. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, questões 98-108, especialmente esta última);

    ● nem, muito menos, os cristãos devem proceder com malícia, usando da liberdade como rebuço para ocultar um mau proceder (não é isso precisamente o que se faz no reino do demo-liberalismo?), mas como homens verdadeiramente livres, ou seja, como servos de Deus, uma vez que ser servo de Deus é não ser escravo das paixões, dos pecados, do demônio.

    Por outro lado, dessas duas passagens não se podem inferir as duas proposições que se seguem:

    > a jurisdição temporal e seus poderes não se ordenam essencialmente ao poder espiritual — porque, com efeito, o mero fato de esta jurisdição ter sida instituída por Deus mesmo e de seus poderes provirem (ainda que não diretamente) d’Ele pode antes indicar o contrário, ou seja, que tais poderes, pelo próprio fato de provir de Deus, devem ordenação e submissão a Ele e, por conseguinte, ao poder espiritual que Cristo mesmo instituiu diretamente (a Igreja);

    > os cristãos devem sempre obedecer e honrar aos reis terrenos — porque afirmá-lo seria dizer que os cristãos devem obedecer a estes reis ainda quando queiram obrigá-los a desobedecer à lei natural (ou seja, a parte da lei eterna que rege a vida moral dos homens) e à lei divina positiva ou eclesiástica (ou seja, a lei do Espírito Santo positivada); em outras palavras, quando queiram obrigá-los a obedecer a leis humanas iníquas (quanto aos graus desta iniqüidade e quanto a se os cristãos devem, por razões de prudência, obedecer em foro externo às menos iníquas, cf. Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, questão 96, “O poder da lei humana”, especialmente artigo 4).

    Além disso, o que os católicos humanistas ou liberais nunca viram naquelas duas passagens é o que se pode inferir sem grande dificuldade deste pequeno passo de São Pedro: para “que, fazendo o bem, façais emudecer a ignorância dos homens insensatos”, ou seja, daqueles mesmos homens que condenariam tantos cristãos ao martírio. Ora, o emudecimento da ignorância desses insensatos, muito mais que um modo de evitar o martírio (que, afinal, sempre é para o cristão uma palma de vitória), seria claramente a ante-sala de sua conversão. Pode-se sensatamente duvidar que, após lhes ter falado Cristo ressurrecto, e após lhes ter vindo em Pentecostes o Espírito Santo, não soubessem os Apóstolos que os insensatos pagãos romanos um dia se renderiam a Cristo e seu Vigário? Não por nada São Pedro, auxiliado por São Paulo, vai enraizar a Igreja no solo da Cidade “Eterna”: por certo, estavam eles divinamente orientados para colocar a Pedra no centro de uma civilização que a mesma Providência Divina preparara para, ao preço da efusão lustral do sangue cristão, ser batizada e dar à luz a Cristandade.

    (Continua.)
    Adendo do Sidney: Não é demais lembrar que, ao darmos ênfase à doutrina bimilenar da Igreja neste ponto, não temos ilusão de que, a esta altura dos acontecimentos históricos, ela tenha alguma humana chance de materializar-se no plano político (mas, por ser de direito divino irreformável, ainda assim cabe-nos defendê-la). Por outro lado, é deveras propedêutico e ilustrativo apontar que todas as demais formas de política em que os planos material e espiritual se desvinculam (como duas mônadas estanques, incomunicáveis) são tremendamente nefastas, ainda que sob a capa de algo muito bom (como a hodierna democracia liberal), e os seus propugnadores, sem exceção, são quiméricos milenaristas. Quiméricos porque sugerem coisas absurdas, como por exemplo (um, dentre tantos) a aplicação, por Dante, do princípio averroísta do "único intelecto possível" ao plano político; milenaristas porque imaginam a possibilidade de instituição política neste mundo (de uma civilização, enfim) à margem da lei de Deus...


    Contra Impugnantes

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