Entrevista com Alice von Hildebrand: Paulo VI canonizado?
Publico abaixo entrevista com a Dra. Alice von Hildebrand feita pela Latin Mass Magazine, reproduzida em partes pelo blog Les Femmes, The Truth, que eu traduzi. Nesta entrevista ela discorre sobre a crise na Igreja e sobre se o Papa Paulo VI deve ser canonizado. Os grifos são do Les Femme, destacando os trechos onde ela trata sobre Paulo VI.
[A entrevista, reproduzida em parte]
TLM: Em termos da crise atual, quando você começou a perceber que algo estava terrivelmente errado?
AVH: Foi em fevereiro de 1965. Eu estava tirando um ano sabático em Florença. Meu marido estava lendo um jornal teológico, e de repente eu o ouvi chorar. Corri até ele, temerosa de que sua condição cardíaca de repente tivesse lhe causado dor. Eu perguntei se ele estava bem. Ele me disse que o artigo que estava lendo deu-lhe a percepção de que o diabo tinha entrado na Igreja. Lembre-se, meu marido foi o primeiro alemão proeminente a falar publicamente contra Hitler e os nazistas. Seus insights eram sempre prescientes.
TLM: Seu marido acha que o declínio no sentido do sobrenatural começou naquela época [1920 - a partir de uma pergunta anterior], e se assim for, como ele explica isso?
AVH: Não, ele acreditava que após a condenação da heresia do Modernismo feita por Pio X [1907], seus proponentes simplesmente passaram à clandestinidade. Ele dizia que, então, eles passaram a fazer uma abordagem muito mais sutil e prática. Eles espalharam dúvidas simplesmente levantando questões sobre as grandes intervenções sobrenaturais através da história da salvação, como o nascimento virginal e a virgindade perpétua de Nossa Senhora, bem como a Ressurreição e a Sagrada Eucaristia. Eles sabiam que uma vez que a fé - o fundamento - cambaleia, a liturgia e os ensinamentos morais da Igreja iriam seguir o exemplo. Meu marido intitulou um dos seus livros: A Vinha Devastada. Depois do Vaticano II, um furacão parece ter atingido a Igreja...
Mesmo o pagão Platão estava aberto a um sentido do sobrenatural. Ele falou da fraqueza, fragilidade e covardia freqüentemente evidenciadas na natureza humana. Ele foi questionado por um crítico para explicar por que ele tinha uma opinião tão baixa da humanidade. Ele respondeu que não denegria o homem, apenas estava comparando-o a Deus.
Com a perda do sentido do sobrenatural, há uma perda do sentido da necessidade de sacrifício hoje. Quanto mais perto se aproxima de Deus, maior deve ser o senso de pecado. Quanto mais se afasta de Deus, como hoje, mais escutamos a filosofia da Nova Era: "Estou OK, você está OK". Essa perda da inclinação para o sacrifício levou ao obscurecimento da missão redentora da Igreja. Onde a Cruz é subestimada, dificilmente se pensa em nossa necessidade de redenção.
A aversão ao sacrifício e à redenção ajudou a secularizar a Igreja a partir de dentro. Durante muitos anos temos ouvido dos sacerdotes e bispos sobre a necessidade de a Igreja a adaptar-se ao mundo. Grande papas como São Pio X disseram exatamente o oposto: o mundo deve se adaptar à Igreja.
TLM: Da nossa conversa ao longo desta tarde, devo concluir que você não acredita que a perda acelerada do sentido do sobrenatural é um acidente da história.
AVH: Não, eu não. Houve dois livros publicados na Itália nos últimos anos que confirmam o que meu marido vinha suspeitando há algum tempo, ou seja, que tenha havido uma infiltração sistemática na Igreja pelos inimigos diabólicos por grande parte deste século. Meu marido era um homem muito sanguíneo e otimista por natureza. Durante os últimos dez anos de sua vida, porém, testemunhei-o muitas vezes em momentos de grande tristeza, e freqüentemente repetindo: "Eles têm profanado a santa Esposa de Cristo". Ele estava se referindo à "abominação da desolação" de que o profeta Daniel fala.
TLM: Esta é uma admissão crítica, Dra. von Hildebrand. Seu marido havia sido chamado um Doutor da Igreja do século XX pelo Papa Pio XII. Se ele sentiu isso tão fortemente, ele não teve acesso ao Vaticano para contar ao Papa Paulo VI seus medos?
AVH: Mas ele fez! Nunca esquecerei a audiência privada que tivemos com Paulo VI logo antes do final do [Concílio] Vaticano II. Foi em 21 de junho de 1965. Assim que meu marido começou a apelar com ele para condenar as heresias que estavam soltas, o Papa o interrompeu com as palavras: "Lo scriva, lo scriva" ("Escreva-o"). Alguns momentos depois, pela segunda vez , meu marido chamou a atenção do Papa para a gravidade da situação. A mesma resposta. Sua Santidade nos recebeu em pé. Estava claro que o Papa se sentia muito desconfortável. A audiência durou apenas alguns minutos. Paulo VI deu imediatamente um sinal ao seu secretário, Pe. Capovilla, para nos trazer rosários e medalhas. Nós, então, voltamos a Florença onde meu marido escreveu um longo documento (não publicado hoje) que foi entregue a Paulo VI na véspera da última sessão do Concílio. Era setembro de 1965. Após a leitura do documento do meu marido, ele disse ao sobrinho do meu marido, Dieter Sattler, que se tornou o embaixador alemão na Santa Sé, que havia lido o documento cuidadosamente, mas que ele era "um pouco duro". O motivo era óbvio: meu marido tinha humildemente solicitado uma clara condenação de afirmações heréticas.
TLM: Você percebe, claro, doutora, que, assim como você menciona essa idéia da infiltração, haverá aqueles que reviram os olhos em exasperação e dizem: "Não, mais uma teoria da conspiração!"
AVH: Eu só posso dizer o que eu sei. É uma questão de registro público, por exemplo, que Bella Dodd, a ex-comunista que se reconverteu à Igreja, falou abertamente da deliberada infiltração do Partido Comunista de agentes nos seminários. Ela disse ao meu marido e a mim que quando era membro ativo do partido, ela tinha lidado com nada menos que quatro cardeais dentro do Vaticano “que estavam trabalhando para nós".
Muitas vezes eu ouvi americanos dizerem que os europeus " cheiram conspiração onde quer que vão". Mas desde o início o Maligno tem "conspirado" contra a Igreja - e sempre procurou em particular destruir a Missa e minar a crença na Presença Real de Cristo na Eucaristia. Que algumas pessoas sejam tentadas a exagerar esse fato inegável não é razão para negar sua realidade. Por outro lado, eu, nascida européia, estou tentada a dizer que muitos americanos são ingênuos; vivendo em um país que tem sido abençoado pela paz, e conhecendo pouco sobre a história, eles são mais propensos do que os europeus (cuja história é tumultuada) a serem vítimas de ilusões... Judas tinha jogado tão habilmente que ninguém suspeitava dele, pois um conspirador astuto sabe como cobrir seus rastros com uma aparência de ortodoxia.
TLM: Será que os dois livros do padre italiano que você mencionou antes da entrevista contém documentação que fornece evidências dessa infiltração?
AVH: Os dois livros que eu mencionei foram publicados em 1998 e 2000 pelo sacerdote italiano, Don Luigi Villa da diocese de Brescia, que, a pedido do Padre Pio, dedicou muitos anos de sua vida à investigação da possível infiltração tanto de maçons quanto de comunistas na Igreja. Meu marido e eu nos encontramos com Don Villa nos anos sessenta. Ele afirma que não faz qualquer declaração que ele não possa comprovar. Quando ‘Paolo VI Beato?’ (1998) foi publicado, o livro foi enviado a cada um dos bispos italianos. Nenhum deles confirmou o recebimento, nenhum desafiou qualquer das reivindicações de Don Villa.
Neste livro, ele relata algo que nenhuma autoridade eclesiástica refutou ou pediu para ser retirado - mesmo que ele dê os nomes de personalidades particulares no que diz respeito ao incidente. Se refere à fratura entre o Papa Pio XII e o então Bispo Montini (futuro Papa Paulo VI) que foi seu subsecretário de Estado. Pio XII, ciente da ameaça do comunismo, que, no rescaldo da II Guerra Mundial dominava quase a metade da Europa, havia proibido os funcionários do Vaticano de lidar com Moscou. Para sua decepção, ele foi informado um dia através do Bispo de Up[p]sala (Suécia) de que sua ordem estrita havia sido violada. O Papa resistiu a dar credibilidade a este rumor, até que foram dadas a ele provas incontestáveis de que Montini vinha se correspondendo com várias agências Soviéticas. Enquanto isso, o Papa Pio XII (assim como Pio XI) havia enviado sacerdotes clandestinamente à Rússia para dar conforto aos católicos por trás da Cortina de Ferro. Cada um deles foi sistematicamente preso, torturado e executado ou enviado ao Gulag. Eventualmente um espião duplo do Vaticano foi descoberto: Alighiero Tondi, SJ, que era um conselheiro próximo de Montini. Tondi era um agente trabalhando para Stalin cuja missão era manter Moscou informado sobre iniciativas como o envio de sacerdotes para a União Soviética.
Acrescente a isso o tratamento deste Papa Paulo ao cardeal Mindszenty. Contra sua vontade, Mindszenty foi ordenado pelo Vaticano a deixar Budapeste. Como quase todos sabem, ele havia escapado dos Comunistas e buscado refúgio na embaixada americana. O Papa havia lhe dado sua promessa solene de que ele permaneceria primaz da Hungria enquanto vivesse. Quando o Cardeal (que foi torturado pelos comunistas) chegou em Roma, Paulo VI abraçou-o calorosamente, mas depois o enviou para o exílio em Viena. Pouco tempo depois, este santo prelado foi informado de que ele havia sido rebaixado e tinha sido substituído por alguém mais aceitável para o governo Comunista Húngaro. Mais intrigante e tragicamente triste é o fato de que quando morreu Mindszenty, nenhum representante da Igreja esteve presente no seu enterro.
Outro exemplo que Don Villa fornece de infiltração é uma relatada a ele pelo Cardeal Gagnon. Paulo VI pediu a Gagnon para encabeçar uma investigação acerca da infiltração da Igreja por inimigos poderosos. O Cardeal Gagnon (na época um Arcebispo) aceitou essa tarefa desagradável e compilou um dossiê longo, rico em fatos preocupantes. Quando o trabalho foi concluído, ele solicitou uma audiência com o Papa Paulo a fim de entregar pessoalmente o manuscrito para o Pontífice. O pedido de reunião foi negado. O Papa enviou uma mensagem dizendo que o documento devia ser colocado nos escritórios da Congregação para o Clero, especificamente em um cofre com fechadura dupla. Isso foi feito, mas no dia seguinte o cofre foi quebrado e o manuscrito desapareceu misteriosamente. A política usual do Vaticano é ter certeza de que notícias sobre tais incidentes nunca vejam a luz do dia. No entanto, este roubo foi reportado até mesmo no L'Osservatore Romano (talvez sob pressão porque tinha sido noticiado na imprensa secular). O Cardeal Gagnon, claro, tinha uma cópia, e mais uma vez pediu ao Papa para ter uma audiência privada. Mais uma vez seu pedido foi negado. Ele então decidiu deixar Roma e retornar à sua terra natal, no Canadá. Mais tarde, ele foi chamado de volta a Roma pelo Papa João Paulo II e feito Cardeal.
TLM: Por que Don Villa escreveu estas obras destacando as críticas a Paulo VI?
AVH: Don Villa relutantemente decidiu publicar os livros a que aludi. Mas quando vários bispos pressionaram para a beatificação de Paulo VI, esse sacerdote percebeu isso como um toque de clarim para publicar a informação que tinha recolhido através dos anos. Ao fazê-lo, ele estava seguindo as orientações da Congregação Romana, informando aos fiéis que era seu dever como membros da Igreja retransmitir à Congregação qualquer informação que possa militar contra as qualificações do candidato para a beatificação.
Considerando o tumultuado pontificado de Paulo VI e os sinais confusos que ele estava dando, por exemplo: falar sobre a "fumaça de Satanás que entrou na Igreja", mas recusar-se a condenar oficialmente as heresias; sua promulgação de Humanae Vitae (a glória de seu pontificado ), mas evitar cuidadosamente proclamá-la ex-cathedra [doutrina infalível]; entregar seu Credo do Povo de Deus na Piazza San Pietro em 1968, e mais uma vez não declará-lo obrigatório para todos os católicos; desobedecer as ordens estritas de Pio XII para não ter contato com Moscou, e apaziguar o governo Comunista Húngaro ao renegar a promessa solene que havia feito ao Cardeal Mindszenty; o tratamento dado ao santo Cardeal Slipyj, que passou 17 anos em um Gulag, só para ser feito prisioneiro virtual no Vaticano pelo Papa Paulo VI; e, finalmente, pedindo ao Arcebispo Gagnon para investigar uma possível infiltração no Vaticano, apenas para recusar recebe-lo em audiência quando o trabalho estava concluído - tudo isso fala fortemente contra a beatificação de Paulo VI, apelidado em Roma, "Paolo Sesto, Mesto" (Paul VI, o triste)...
Só Deus é o juiz de Paulo VI. Mas não se pode negar que seu pontificado foi muito complexo e trágico. Foi com ele que, no curso de 15 anos, mais mudanças foram introduzidas na Igreja do que em todos os séculos anteriores juntos. O que é preocupante é que quando lemos o testemunho de ex-comunistas como Bella Dodd e estudamos documentos maçônicos (que datam do século XIX, e, geralmente, escritos por sacerdotes afastados como Paul Roca), podemos ver que, em grande medida, sua agenda fora realizada: o êxodo de sacerdotes e freiras após o Vaticano II, teólogos dissidentes não censurados, o feminismo, a pressão sobre Roma para abolir o celibato sacerdotal, imoralidade entre os clérigos, liturgias blasfemas (ver o artigo de David Hart em First Things, Abril de 2001, "The Future of the Papacy"), as mudanças radicais que foram introduzidas na sagrada liturgia (vide livro “Milestones” do Cardeal Ratzinger, pg. 126 e 148, Ignatius Press) e um ecumenismo enganador. Apenas uma pessoa cega poderia negar que muitos dos planos do Inimigo têm sido perfeitamente realizados.
Não se deve esquecer que o mundo ficou chocado com o que Hitler fez. Pessoas como meu marido, porém, na verdade, leram o que ele havia dito em Mein Kampf. O plano estava lá. O mundo simplesmente optou por não acreditar.
Mas, grave como é a situação, nenhum Católico comprometido pode esquecer que Cristo prometeu que permanecerá com sua Igreja até o fim do mundo. Devemos meditar sobre a cena relatada no Evangelho quando o barco dos apóstolos foi atingido por uma forte tempestade. Cristo estava dormindo! Seus seguidores assustados O acordaram: Ele disse uma palavra, e houve uma grande calmaria. "Vós de pouca fé!"...
TLM: Então você vê que o único cenário para uma solução para a crise atual é a renovação de um esforço pela santidade?
AVH: Não devemos esquecer que estamos lutando não só contra a carne e o sangue, mas contra "principados e potestades". Isso deve provocar temor suficiente em nós para fazer-nos esforçar mais do que nunca pela santidade, e orar com fervor para que a Santa Noiva de Cristo, que está agora no Calvário, saia dessa terrível crise mais radiante do que nunca".
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