As Missões Jesuíticas no Brasil
Ruínas da Igreja de São Miguel das Missões
Em um primeiro artigo sobre a história dos Jesuítas no Brasil, tive o prazer de tratar sobre o Beato José de Anchieta e sua vinda a Terra da Santa Cruz, estabelecendo de maneira perpétua o catolicismo neste país e fincando raízes de santidade entre os indígenas. Não menos importante de se rememorar são as missões ou reduções estabelecidas mais ao Sul do Brasil pelos mesmos Jesuítas, levantando em meio às selvas verdadeiras cidades cristãs, mananciais de salvação para os silvícolas que aqui viviam. Capítulo essencial na história religiosa da América, deve possuir seu merecido lugar de destaque, o que não é feito por desprezo da atualidade.
Não é um passado glorioso que seja muito lembrado nas "histórias livrescas", pois, assim como os demais méritos da Igreja, com a instalação da república maçônica foram todos relegados a uma educação pretérita, assim chamada de decrépita; e alguma vezes, em ato de extrema audácia e ignorância, até apelidadas de utopias. Mas as ruínas de mais de quatro séculos de existência continuam a resistir ao tempo não só em território Brasileiro, mas também em território Argentino e Paraguaio, creio eu para dar testemunho aos presentes de que a Igreja um dia já foi mais viva e candente nesta seara, mais reluzente e fiel ao pedido do Senhor: "E disse-lhes: Ide por todo mundo, pregai o evangelho a toda criatura. O que crer, e for batizado será salvo; o que porém não crer, será condenado." (Marcus, XVI, 15-16)¹.
Santo Ignácio de Loyola, fundador
da Ordem de Cristo, também chamada
de Ordem dos Jesuítas.
Os mesmos Jesuítas também doaram sua vida nesta empresa de catequização, algo que se constitua como o famoso 4º carisma da Ordem², falecendo por mãos de calvinistas mais de quarenta irmãos em um só episódio, d'outras vezes mais doze pelos mesmos Protestantes, dez por mãos de holandeses (da Colônia implantada por Maurício de Nassau em Pernambuco) e assim toda a história vai narrando o quociente de coragem que era preciso ter para implantar a religiosidade católica neste país.
Não há como dissociar os Jesuítas do episódio da implantação da civilização no Brasil, já que foram eles os corajosos guerreiros cristãos a fincar moradia nestas paragens, vindos a pedido de D. João III. Junte-se a isto a sólida formação teológica que imprimia um caráter indelével de eloquência e santidade, além dos vastos conhecimentos que eram professados em história e filosofia que tornavam os Jesuítas como os mais aptos a desenvolverem uma cultura cristã, que a priori se tornaria meio mais fácil para a vinda definitiva dos Europeus. Ligue-se a isto a devoção total ao Pontífice, a lealdade e o amor no ensino das crianças, e teremos enfim uma dádiva de Deus que fora enviada a terra da Santa Cruz.
Famosas eram as missões (cuja gênese data de 1635 e pleno desenvolvimento em 1678) que se implantavam em vastos territórios para aglutinar em torno de sí várias aldeias e catequizá-las. Preconizadas por Manuel de Nóbrega e Tomé de Souza, o último atuando como Governador-Geral do Brasil, possuíam mais eficácia na catequização do que as Missões itinerantes, que sempre, na sua ausência, propiciavam um vácuo perigoso para a atuação dos ímpios. "Nóbrega escreveu aos seus superiores solicitando que os jesuítas obtivessem do papa o poder de erigir altares onde bem lhes aprouvesse e assim consolidar seus povoados, ao mesmo tempo em que recomendou paciência para com o processo de aculturação, prevendo que uma transformação autoritária, súbita e radical nos costumes indígenas não daria frutos positivos." ³
Uma das mais singulares dentre estas é a Missão da Colônia de Sacramento, que se espalha por diversos centros, dentre eles o de São Miguel das Missões, San Ignacio Mini, Nuestra Señora de Loreto e Santa Maria Mayor (os três últimos atualmente em território Argentino), todas integrando a área pastoral chamada de Missões dos Sete Povos. O principal objetivo delas era firmar a civilização cristã no América portuguesa e espanhola, todavia, sem os vícios e males que já nesta época deploravam na Europa; algo que foi feito com a mais singular eficácia, mas destruído enfim pela inveja e ganância dos que somente enxergavam os índios como animais a serviço dos "civilizados" (não digo que todos os europeus o viam assim, entretanto, a maioria dos que aqui se estabeleciam comercialmente possuíam tal visão sem a mínima sombra de dúvidas).
A realidade dentro desses centros era demasiadamente diferente das aldeias locais em que viviam os índios sob variados aspectos. A principio, quando se encontrava uma nova aldeia, os Jesuítas procuravam o contato em algumas das línguas tupis e guaranis que dominavam, fruto do longo e árduo trabalho de José de Anchieta. Quando se reuniam várias aldeias, todas comprometendo-se a viver em união estável, se iniciava a catequização, logo todos eram agrupados em grandes cidades auto-suficientes em diversas matérias, embora na maioria das vezes dependessem de doações da própria ordem ou da nobreza portuguesa e espanhola para seu mantenimento.
Era mister, portanto, que se instalassem educandários para ensinar a língua da coroa portuguesa, aos quais eram dirigidos pelos próprios Jesuítas que possuíam desde Lisboa vasta formação em línguas, retórica e demais disciplinas tradicionais de ensino. As construções, até hoje existentes, não se limitavam a Igrejas, mas também a cemitérios, clautros, presídios, muralhas e trincheiras (para proteção contra ataques inimigos), casas dos índios, orfanatos, oficinas e etc, sempre com a cooperação dos neo-convertidos que, embebidos de ardor religioso, imprimiam todos os esforços para conquistarem o céu e viverem segundo os dogmas da Santa Igreja4. O centro de tudo era a Santa Cruz, geralmente erguida em frente às Igrejas, e as próprias paróquias, muito bem elaboradas para o contexto rudimentar que a cercava.
Aos 170 anos de poder teocrático na república guarani deixaram como legado uma língua nativa oficial no Paraguai, única na América Espanhola. No desenvolvimento técnico, a fundição de ferro e o uso da terra para o plantio; no arqueológico, vestígios de ruínas de imensos templos e cidades utópicas.Nas reduções, os objetivos principais da Companhia de Jesus eram a doutrina e a catequese, bem como a vida comunitária. O programa das edificações deveria satisfazer as necessidades de uma comunidade com vida autônoma e organização socioeconômica quase auto-suficiente, dimensionada para abrigar de 4.000 a 5.000 almas – meta que, quando atingida, levava à criação de outra redução e assim progressivamente, como determina a Coroa Espanhola, ao tomar posse da terra.5O paganismo era abolido definitivamente nestas reduções, anulado das véias indígenas. Em troca surgiam imensos povoados, onde sua organização tão precisa e simples fê-la se desenvolver em vários pontos da América.
Tão logo, a bondade cristã dos Jesuítas despertou no Maçom Marquês de Pombal a irá contra a Ordem, utilizando-se até mesmo de pregações que admoestavam a favor de uma maior penitência (quando do Grande terremoto em Lisboa no ano de 1755), aproveitando-se também de um atentado contra o Rei de Portugal que ocorrerá alguns anos mais tarde para culpar a Ordem, e até mesmo caluniando os Jesuítas em relação às missões, acusando-as de serem núcleos separatistas e teocráticas na América Portuguesa. O fim do mesmo? "Com a morte de D. José I em 1777 e a subida ao poder de Dona Maria I, o Marquês de Pombal foi processado e condenado. Só escapou à prisão e à morte por respeito à sua idade e achaques."6
A necessidade da existência das povoações iam além da catequização, como ficou provado com as destruições que se seguiram ao estabelecimento dos aldeamentos. A defesa dos indígenas, que desde a chegada dos Portugueses e Espanhóis a América ja eram tidos como escravos brancos, alcançava uma espécie de extremismo e o mau-trato em diversos níveis (inclusive a prostituição e o estupro) já eram tido como casos comuns, ao que as Missões eram grave impedimento e refúgio primeiro para os indígenas, garantido proteção por decreto real, cujas alíneas declaravam o indígena protegido dentro destas Missões. Desta maneira era imperativo o desaparecimento das Missões para que a escravização continuasse - o que fora feito de maneira macabra e fria -, sendo que mais tarde, com as dificuldades do aprisionamento dos novos cristãos e dos pagãos, fez-se necessário a vinda dos escravos africanos (que já existiam, não sendo invenção européia que se ressalte, sendo explorados em larga escala pelos mesmos).
Ruínas de uma Igreja que se encontra no território
de uma das missões Jesuíticas.
Partindo para o aspecto abstrato e estético, as povoações eram avançadas e até mesmo comparadas aos Feudos europeus pela organização rígida e disciplinada, governo centralizado e nível cultural abrangente.
As terras eram concedidas em caráter permanente e hereditário, sendo obrigatório o trabalho durante o período de dois dias em terras coletivas para o sustento geral (chamadas de "Propriedades de Deus"). As jornadas de trabalho duravam em média seis horas, possuindo-se em cada redução como referencial um relógio de sol. O comércio era limitado em seu início, fortificando-se com o estabelecimento interno das Missões, utilizando-se como moeda: fumo, mel silvestre e outros artigos de maior valor. A saúde era especialmente cuidada por um grupo de enfermeiras organizadas que receitavam remédios fitoterápicos, ao que a mortandade decaia continuamente e sempre quando acontecia um falecimento, este era acompanhado pelos religiosos que empregavam a extrema-unção, prova magna da dedicação de ambos (religiosos e enfermeiras).
As construções eram sólidas, sempre com aspecto rudimentar, entretanto, majestosas e pias; as ruas eram expandidas em pavimentos retos. Sempre existiam representantes da Coroa, desde 1607, por decreto do rei de Portugal e Castelha, a fim de proteger os territórios e manter a soberania espanhola 7. Ainda, as produções internas, além de alimentar aos próprios habitantes, também eram enviados a coroa para fins de exportação, o que de certo modo corrobora para qualificar os indígenas como súditos do Rei e merecedores de respeito jurídico. "Em meados do século XVII muitas das reduções já eram prósperas o bastante para desenvolver um ativo comércio com as cidades e províncias próximas, chegando a exportar muitos produtos para a Europa, incluindo instrumentos musicais e esculturas, e importando outros tantos. Em diversos casos o seu sucesso foi de fato notável, superando em muito o nível de vida dos colonos assentados nas vilas e cidades, desenvolvendo uma estrutura administrativa e econômica muito mais eficiente e humana, e práticas tecnológicas mais avançadas."8. A defesa ficava a cargo de exércitos locais (as vezes pequenos, as vezes gigantes), que a principio utilizavam-se de armas locais, sendo depois munidas com armas de fogo a fim de estarem a páreo com os Bandeirantes que sem nenhum escrúpulo atacavam as reduções.
Altar da igreja de San Rafael de Velasco
na missão de Chiquitos, Santa Cruz, BoliviaO cotidiano era centrado na religiosidade:
A vida numa comunidade missioneira seguia uma rotina precisa. Antes do amanhecer tocava-se o sino para despertar. Seguiam-se a oração individual, as crianças eram acordadas, assistia-se à missa e às 7 horas os trabalhos do dia eram distribuídos. Nesta hora as crianças recebiam o desjejum e logo oravam. Às 8 horas realizava-se a visita aos doentes e enterravam os mortos. Depois os demais tomavam um desjejum, em seguida se dirigiam aos diversos afazeres e as crianças iam às aulas. Entre 11 e 12 horas havia o almoço, seguido de um descanso de uma hora, para depois voltarem ao trabalho. Das 16 horas em diante havia o catecismo, novas orações, lanche, reunião para novo culto e depois o jantar. Entre as 20 e 21h os fogos eram apagados e a aldeia dormia. Nos dias santificados o trabalho era proibido, aos domingos havia uma missa solene, e em dias de grandes festejos realizavam-se encenações teatrais, danças comunitárias, procissões, profissões públicas de fé e às vezes autoflagelações, combates simulados e concertos de música, em celebrações coletivas que podiam durar todo o dia.9Os inimigos que levaram à derrocada as missões e o extermínio em massa dos índios (não só por assassinatos mas também por inanição, já que os índios não conseguiam viver mais isolados nas florestas) podem ser citados: Maçons Portugueses, Governantes Espanhóis injuriosos, a Coroa Portuguesa, Bandeirantes, Assaltantes de Gados, Tribos selvagens, Contrabandistas e etc.
Já no Sec. XVIII o crescimento das Missões levantava a ira de muitos, sendo considerada especialmente por eles como indícios de uma rebelião teocrática, o que não faz sentido dada a submissão incontestável da Ordem dos Jesuítas às Coroas portuguesa e Espanhola. Tal fora a pressão e a perseguição dos dirigentes dos países supracitados, que o próprio Papa Clemente XIV em 1773, por via do documento Dominus ac Redemptor, suprimiu a Ordem; e que se ressalte que a suprimiu para que a mortandade de fiéis e padres decaísse e não por suspeitas da Santa Sé, comprovando-se a idoneidade da Ordem quando do seu restabelecimento em 1814 pelo Papa Pio VII 10. Como as povoações eram muito ligadas de maneira intrínseca à Ordem dos Jesuítas, elas continuaram a existir sob a proteção de outras ordens, como a Franciscana, mas logo caindo em deterioração; constitui-se, ainda, mais um fator contribuinte para a derrocada os intermitentes assaltos e saques promovidos por tropas dos países vizinhos (não só do Brasil). O fracasso advém principalmente da impaciência das Coroas que desejavam uma incorporação (submissão) mais rápida dos indígenas, o que por vezes poderia demorar décadas, embora fosse viável religiosamente.
Planta da Redução (Missão) de
São Miguel Arcanjo.
A Mílicia de Cristo promoveu, como visto no decorrer deste ensaio, a piedade e a tradição católica nos primeiros habitantes da América; um mérito sem dúvidas grandioso e merecedor das mais saudosas e abrilhantadas narrações. Tais cidades avançadas são exemplos da necessidade de se viver em torno de N.S.J.C., de o colocar em um espaço central em nosso cotidiano a fim de que voltemos a exercer o que foi um dia o Catolicismo. O quilate dos Jesuítas advindos da Europa formou nossa nação e até hoje, principalmente por meio do patrimônio que sobreviveu, pode-se admira-los pela sua ímpar instrução.
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Chamo a atenção para que não se leve em conta várias partes dos originais na wikipédia, tendo em vista que sua construção (das narrações) é efetuada por várias pessoas, inclusive mau-intencionados e caluniadores.
¹ - Citação da Tradução da Vulgata Latina do Dr. Antônio Pereira de Figueiredo, Lisboa em 1889.
² - Cf. página da web dos Jesuítas (Acessado em 02 Fevereiro de 2011): http://www.jesuitas.com.br/Historia/brasil.htm
³ - Cf. página da web na Wikipédia sobre as Missões Jesuíticas na América (Acessado em 02 Fevereiro de 2011): Missões jesuíticas na América
4 - Cf. página da web no Blog da Biarnesa (Acessado em 02 Fevereiro de 2011): As Missões Jesuítas dos Índios Guaranis do Rio Grande do Sul, no Brasil - Blog da Biarnesa - Agência Brasileira de Tradução Internacional
5 - Idem.
6 - Cf. página da web dos Jesuítas (Acessado em 02 Fevereiro de 2011): http://www.jesuitas.com.br/Historia/brasil.htm
7 - Cf. página da web na Wikipédia sobre as Missões Jesuíticas na América - Parte: origem e evolução do sistema missioneiro (Acessado em 02 Fevereiro de 2011): Missões jesuíticas na América
8 - Idem.
9 - Cf. página da web na Wikipédia sobre as Missões Jesuíticas na América - Parte: Cotidiano (Acessado em 02 Fevereiro de 2011): Missões jesuíticas na América
10 - Cf. página da web dos Jesuítas (Acessado em 02 Fevereiro de 2011): http://www.jesuitas.com.br/Historia/brasil.htm
APOSTOLADO TRADIÇÃO EM FOCO ®: As Missões Jesuíticas no Brasil
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