Del excelente libro de Rainer Daehnhardt "Homens, Espadas e Tomates"
Editora: Zéfiro
Colecção: Ventos da História
* - Para buen entendimiento de los castellano parlantes: "tomates"="huevos"
"(...)A dada altura, comandou Afonso de Albuquerque seis naus nossas, com cerca de 400 homens a bordo. Após ter subjugado e, em parte, destruído diversos portos tributários ao Rei de Ormuz, fez o que ninguém julgou possível: entrou na baía de Ormuz, ficando cercado por 250 navios de guerra inimigos e juntando-se, em terra, um exército de 20.000 guerreiros, todos prontos para o aniquilar! Quando o Rei lhe mandou um emissário a bordo para questionar sobre os seus intentos, Afonso de Albuquerque enviou-lhe a seguinte mensagem: «Renda-se!!!»(...)"
Uma Curiosa Troca de Insultos
Em 1537 alguns marinheiros portugueses praticaram um crime, então classificado como um "grande gaffe diplomática". Em frente de Diu recebeu-se o Sultão Bahadur Xá a bordo de uma nau portuguesa.
As conversações diplomáticas deram para o torto e o Sultão e sua comitiva resolveram retirar-se zangados.
Alguns marinheiros portugueses, indisciplinados, dificultaram-lhes a entrada no batel, chegando ao ponto de dar com um remo, fortemente, na cabeça do Sultão, tendo este morrido afogado. A acção vergonhosa causou um grito de vingança desde os reinos mulçumanos do Golfo de Cambaia até ao Egipto e Constantinopla. A viúva do Sultão ofereceu toda a sua fortuna para financiar uma expedição punitiva contra os portugueses. A fortaleza de Diu estava a ser defendida por 600 portugueses, comandados por António da Silveira. O Sultão de Cambaia e o turco Suleimão Paxá reuniram as suas forças, conseguindo cercar Diu com 70 galés turcas um exército de terra de 23.000 homens. Tendo já feito prisioneiros alguns portugueses, enviou por um deles uma carta a António da Silveira.
Temos de saber que Suleimão Paxá não era tido em boa conta pelos portugueses. Tratava-se de um eunuco que, através de uma revolução palaciana, com o levantamento geral dos eunucos, conseguiu degolar a família real, usurpando o respectivo trono e poder.
Quanto António da Silveira recebeu a carta do turco, virou-se para os seus companheiros dizendo: «Vejamos o que diz o perro do capado!» e leua a carta em público. Suleimão Paxá prometia aos portugueses livre saída de pessoas e bens desde que fossem para a costa de Malabar e entregassem a fortaleza e as armas. Prometia esfolar todos vivos se não o fizessem e glorificava-se de ter reunido o maior exército em Cambaia, tendo muita gente que tomara Belgrado, Hungria e a ilha de Rodes. Perguntava mesmo a António da Silveira como se iria defender num "curral com tão pouco gado"!
António da Silveira mandou vir papel e Tinta e, estando todos presentes, enviou-lhe a seguinte resposta: «Muito honrado capitão Paxá, bem vi as palavras da tua carta. Se em Rodes tivessem estado os cavaleiros que estão aqui neste curral podes crer que não a terias tomado. Fica a saber que aqui estão portugueses acostumados a matar muitos mouros e têm por capitão António Silveira, que tem um par de tomates mais fortes que as balas dos teus canhões e que todos os portugueses aqui têm tomates e não temem quem os não tenha!»
Não se pode imaginar insulto maior! Narra-no Gaspar Correia que o capado, quando recebeu esta resposta, mandou logo matar alguns portugueses, feridos, que estavam na sua posse e começou um luta de gigantes. Durante mais de um mês António da Silveira fez-lhe frente, ficando os portugueses capazes de lutar reduzidos a menos de quarenta, mas causando tais baixas aos turcos que estes resolveram levantar o cerco a Diu e retirar-se
(Gaspar Correia: Cronica dos Feytos da Índica, vol. IV, p.34-36)
Trinta para cada Um
Garcia de Sá enviou, em 1519, uma nau comandada por Manuel Pacheco para impor aos Reis de Pacem e Achem o cumprimento do que estava estabelecido por cntrato. Quando faltou a água à grande nai portuguesa, foi enviado um batel para fazer o reabastecimento. A pequena embarcação era tripulada por cinco portugueses, António de Vera, do Porto, António Peçanha, de Alenquer, Francisco Gramaxo, João Almeida de Quintela e um barbeiro de bordo, sendo remada por escravos malaios.
Já longe da sua nau e perto de terra, foram surpreendidos por um capitão do Rei de Pacem, comandando três navios de 150 homens cada. Os mulçulmanos viram ali uma boa oportunidade para rapidamente alcançarem a glória de prender ou matar cinco portugueses! Reconhecendo os cinco o perigo em que estavam, e não o podendo evitar, resolveram então abordar o navio comandante, subindo para bordo aos gritos de "Santiago", com as suas espadas na mão direita e as adagas na esquerda. Os mouros, que estavam convencidos de que os cinco se entregariam sem resistência, não podendo contar com nenhum apoio dos seus escravos remadores (perante a óbvia superioridade muçulmana), ficaram perplexos com o calente combate que então se desenrolou.
Couberam trinta adversários mouros a cada um dos portugueses, que os atacaram com uma ferocidade de quem já se considera perdido, querendo ao menos levar consigo o maior número possível de adversários! Quando os mouros começaram a cair mortos e se ouviram os gritos dos decepados, feridos e moribundos, os outros, aterrorizados, atiraram-se ao mar. Perante esta demonstração de falta de coragem dos seus próprios homens, o capitão mouro virou-se com a sua cimitarra contra os seus soldados que saltavam para a água. O capitão envolveu-se em luta com os seus homens, que já não lhe obedeciam, acabando por cair também ao mar, onde ainda utilizou a sua cimitarra para dar cutiladas aos seus, até acabar por se afogar.
Os cinco portugueses ficaram donos do barco mouro, perante os olhos estupefactos das tripulações das outras duas embarcações. Estas, perdendo o seu capitão-geral, mostraram as popas, acabando por se irem embora sem dar mais luta. De certo não se tinham dado conta de que os nossos cinco, exaustos da luta e com muitas feridas cada um deles, acabaram por cair e até desmaiar. Os seus escravos remadores malaios vieram então a bordo para os ajudar; navegaram com o batel rebocado pela embarcação muçulmana conquistada, de volta, em direcção à nau. Tratados pelos médicos de bordo, tornaram-se os heróis do dia, facto também reconhecido pelo Reio de Pacem que, perante tal actuação de tão poucos, veio oferecer a paz e a satisfação de todos os danos, conforme o Vice-Rei lhe tinha proposto. A acção destes cinco impediu asssim grandes batalhas, com enormes perdas para ambas as partes.
(Manuel Faria e Sousa: Ásia Portuguesa, tomo I, part. III, cap. III, p. 189)
Quantos Ferimentos Aguenta um Português?
Durante os sangrentos combates na defesa da fortaleza de Diu, ficou um Fernão Penteado, natural da Covilhã, ferido na cabeça por uma "racha de pedra de bombarda" (uma bala de canhão rachou-lhe a cabeça). Chegando ao Mestre João, singular cirurgião de Diu (um dos cincos que saltaram para a brecha do muro após o rebentamento do baluarte - outro relato), deu-se conta que este já tinha uma longa fila de feridos graves para curar, ouvindo ao mesmo tempo os gritos de socorro de companheiros aflitos na defesa de um dos baluartes. Narra-nos então o cronista: «Correndo como pôde, se foi ao combate, não sendo parte a grande ferida para o estorvar, se envolveu na peleja, em a qual, como as feridas fossem baratas (não caras = fáceis de obter), houve prestes outra, isso mesmo na cabeça, assaz má, e assim premiado de duas se tornou ao cirurgião. O qual achou já muito mais ocupado e com grandes coisas diantes de si. Como a esta hora refrescassem os inimigos e apertassem os nossos, e por conseguinte os nossos com dobrado esforço e vigor lho defendessem, causou isto grande estrondo temeroso, profunda e triste consonância, a qual sentindo o dito Fernão Penteado, deixando o que cumpria à sua saúde e vida, com novos espíritos deu volta ao combate, como lugar que, ainda que fosse pouco sadio, podia em ele mlhor aquietar seu duro espírito e assim misturando com os companheiros, pelejando não como ferido de tais e tão grandes feridas, recebeu outra de um pique (lança) pelo braço direito, da qual encravado (impossibilitado), bem contra o que lhe seu desejo pedia, se veio curar de todas as três, dando sinal mui claro a todos de seu alento e valentia, das quais feridas aprouve a Deus dar-lhe saúde. Depois, indo em uma fusta, com temporal se perdeu, e ali fez seu fim!»
(Lopo de Sousa Coutinho: O Primeiro Cerco de Diu, cap. XVII).
Não Tendo Bala, Arrancou um Dente, Carregou o Mosquete e Disparou
É por vezes nos relatos de estrangeiros, que há muitos séculos se debruçam sobre a nossa história, que encontramos pormenores interessantes.
Narra-nos um padre holandês, Philippus Baldaeus, que acompanhou as armadas seiscentistas dos Países Baixos nas suas conquistas das praças portuguesas do índico, uma história curiosa que, entretanto, também já consegui descobrir num relato português.
Durante o primeiro cerco de Diu, encontrou-se um soldado português como único sobrevivente num dos baluartes que os turcos estavam a atacar, em ondas sucessivas. Tendo já gasto todas as balas (esferas de chumbo), mas possuindo ainda suficiente pólvora para mais um tiro, e na aflição de nada mais ter com que carregar a sua espigarda, resolveu um dos seus dentes! Carregou com ele a arma e disparou-a contra o adversário surpreso, que já o considerava sem munições!
Trata-se de um pequeno promenor numa grande batalha, que facilmente entra no esquecimento. O holandês, porém, adversário nosso um século depois, narra este facto com profunto respeito por um digno rival! As diferentes edições da sua obra (em holandês, alemão e inglês), não condizem em todos os pontos, notando-se cortes feitos pelos editores seiscentistas. Todas as edições, porém, mencionam o episódio, o que nos mostra que todos acharam suficientemente interessante para ser transmitido aos seus eleitores, o que muito honra este soldado português.
(Phillippus Baldeus: A Description of ye East India Coasts of Malabar and Coromandel, chap. X, p. 533 na edição inglesa (página 54 na edição alemã); Pedro de Mariz: Diálogos de Varia Historia, tomo II, diálogo quinto, p.18)
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