Uma Mosca em sua Sopa: SOPA/PIPA/ACTA
Frederico de Castro
Um projeto de lei norte-americano cuja existência teria como pretexto o combate à pirataria online – SOPA/PIPA/ACTA - está finalmente sob o risco de ser abandonado ou modificado após o recebimento de críticas vindas da Casa Branca. Pelo menos é o que tem sido noticiado amplamente pelos jornais por esses dias.
O projeto representa uma demanda de determinados setores empresariais nos EUA e seu modus operandi, ao que tudo indica, seria a determinação de bloqueio ao acesso de sites internacionais que em tese seriam responsáveis pelo conteúdo de contrafações e diversas outras fraudes. Isso, dentre outras medidas mais agressivas, segundo informam a maior parte de seus opositores.
Após algum período de protestos, o governo dos EUA finalmente começou a modificar seu discurso após o parecer de campanhas especializadas da Creative Commons, por exemplo, bem como de pressões econômicas das grandes da Internet. Evidentemente, tais protestos se encontraram fundamentados sob a bandeira da liberdade de expressão em contraposição à censura, o que significou sem dúvidas um agir certo, mas segundo os motivos errados.
É interessante observar que as medidas do governo americano contrariam os tratados internacionais que regulamentam a rede mundial de computadores, pois seus efeitos (naturalmente em se tratando da internet) se estenderiam globalmente, atingindo então de uma forma indireta um incontável número das relações bilaterais e multilaterais daquele país com o restante do mundo. Portanto, agindo mais uma vez como xerife mundial o governo norte-americano está a ponto de abandonar algumas das raras políticas de soft power que bem ou mal estão a fazer algum contraponto à sua reputação belicosa pelo mundo. Mais um presentinho do salvador global Obama.
Pois bem, a situação que a princípio poderia ser entendida como um “mero” abuso de poder por parte do governo americano representa bem mais que isso. Com efeito, cuida-se de um robusto e amplo patrulhamento ideológico, como de praxe, feito de forma velada sob a manta de uma suposta proteção aos direitos autorais. Poder-se-ia definir o tempo em que vivemos como “a era do pretexto” e não tem sido raro que legislações “acima de qualquer suspeita” sejam utilizadas como camuflagem de pretensões espúrias da politicagem global.
Para que se possa entender com mais clareza o tamanho da hipocrisia, o modelo SOPA é o mesmíssimo adotado em países como China, Síria e Irã, tão criticados pelo próprio governo americano. A idéia por trás do SOPA é permitir a alteração do DNS (Domain Name System) e desta forma impedir que o endereço de IP de determinado domínio seja encontrado, bloqueando-se desta maneira o seu acesso, de tal sorte que os endereços subjetivamente entendidos como difusores de conteúdo ilegal possam ser excluídos dos resultados de ferramentas de buscas, como Google, por exemplo, ficando ainda impedidos de receber dinheiro através dos serviços Paypal, Pagseguro, e semelhantes.
Como já o dissemos, opor-se ao SOPA com base na odiosa liberdade de expressão, e que não é outra coisa senão uma liberdade para a perdição, ou na liberdade de imprensa, que não se cuida de nada mais que a liberdade de difusão do erro, trata-se de uma postura que só pode ter bases no pensamento liberal. E sobre este aspecto é preciso ter a máxima atenção para o fato de que a world wide web, ou simplesmente internet, não é um simples periódico e tampouco serve somente para a mera expressão, mas é antes disto um amplo instrumento de comunicação; ou seja, a sua natureza complexa não permite que se adote uma solução que seja isolada, ou seja, que não se leve em consideração todas as demais variantes que envolvem os efeitos jurídicos e não jurídicos que a rede criou, sendo este exatamente o ponto em que reside o acerto da oposição pública.
Ora, venhamos e convenhamos: criou-se o Frankenstein, deixaram-no livre por um certo tempo para poderem averiguar o que ele seria capaz de fazer e agora querem deixar que ele nos devore.
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