Lutero, o filme: uma boa e grossa mentira
Marcos Libório
"Que mal pode haver se um homem diz uma boa e grossa mentira
por uma causa meritória e para o bem da Igreja (luterana)?"
Martinho Lutero
Introdução
O filme Lutero é um tributo muito apropriado ao pai da revolta protestante.
Pois ainda que seus idealizadores tenham deixado de retratar fielmente a vida atribulada de Martinho Lutero, movidos claramente pela ideologia apaixonada que visou a reabilitação pública do monge alemão e o bem da Igreja luterana, usaram e abusaram do princípio escandaloso proposto pelo próprio Lutero: mentir a vontade, sem remorso, dizer boas e grossas mentiras!
De antemão se sabia que o filme seria tendencioso, pois fora patrocinado por um fundo luterano milionário – Thrivent – bem como pela Federação Luterana. Mas o resultado ultrapassou em muito as piores perspectivas:
Fizeram do soberbo Lutero um religioso humilde!
Do mentiroso Lutero, fizeram um homem leal!
Do imoral Lutero, imaginem só, fizeram dele um santo!
Os produtores de Lutero mentiram à vontade...
Não que as cenas do filme sejam todas inventadas. Só algumas.
Os luteranos – embora tivessem o aval do mestre – preferiram mentir pela mentira menos escancarada, que é a omissão, embora em algumas passagens tenham distorcido os fatos abertamente.
O filme peca então majoritariamente pela omissão, para que o escândalo não fosse tão grande. Pois no dizer pitoresco e muito verdadeiro do Padre Vieira, “a omissão é um pecado que se faz não fazendo” (sermão da Primeira Dominga de Advento).
Quando se mente claramente, negando fatos verdadeiros, a consciência teima em reclamar uma reparação, ainda que anestesiada pelo princípio luterano da mentira por uma boa causa. Com a omissão – veja-se que conveniente – é muito mais fácil silenciar a consciência, embora seus efeitos deletérios possam ser equivalentes, ou mesmo superiores aos de uma mentira aberta.
Ainda que haja muitas cenas que realmente ocorreram, raras vezes se mostra um equilíbrio entre a atitude de Lutero e a contrapartida Católica. A intenção é clara: fazer de Lutero um herói da fé, um campeão da liberdade, perseguido pela tirania do Papa.
Mesmo quando o filme mostra Lutero em situações constrangedoras, como, por exemplo, em suas discussões doentias com o demônio, sempre se sugere ao espectador que a culpa é da Igreja.
Nessa linha vem bem a propósito o comentário de Steven Greydanus:
"Entre protestantes sensatos a Reforma freqüentemente tem sido chamada de “trágica necessidade”. Em Lutero, (...) a Reforma é vista como um todo positivo, um triunfo da liberdade religiosa e da liberdade de consciência.”(Greydanus)
Para que o leitor não pense que acusamos o pseudo-reformador alemão gratuitamente, registramos a seguir algumas de suas muitas mentiras, que foram instrumento (iníquo) amplamente utilizado em sua revolta.
Depois da leitura da confissão em Augsburg, Melanchthon e os demais luteranos foram questionados pelos católicos na Confutatio, devendo então ceder em alguns pontos. Melanchthon estava disposto ao sacrifício em nome da paz, mas Lutero era radicalmente contra, o que provocará a defesa intransigente da confissão protestante através da Apologia. Lutero então escreveu a Melanchthon do castelo de Cobourg, incentivando o amigo a se expressar de forma ambígua:
“(...) Pois, uma vez conseguida a paz e escapado à violência, podemos facilmente fazer remendos para nossos ardis (mentiras) e faltas (tricks (lies) and failings), porque a misericórdia de Deus prevalece sobre nós. (…)” (Grisar: 388)
Quando voltou a Wittemberg em 1522, Lutero expulsou os radicais e restabeleceu a aparência de Missa, parecendo defender a lei e a ordem para poder dominar a situação. Porém:
“(...) os mesmos paramentos foram usados e (...) os mesmos antigos hinos em latim eram ouvidos. A hóstia era elevada e exibida na Consagração. Aos olhos do povo era a mesma Missa de sempre, exceto que Lutero omitiu todas as orações que representavam a função sagrada como sacrifício.” (Grisar: 220)
E nessa mesma linha de imposição do novo culto sem despertar a atenção, atraindo o apoio popular:
“O ofício divino foi essencialmente alterado, mas as suspeitas foram evitadas ao máximo pela retenção da forma externa, de modo que as pessoas comuns, como dizia Lutero, “nunca tomariam consciência disso. ”Era para ser feito “sem escândalo”.” (Grisar: 221)
Ao estudante Martin Weier, Lutero recomendou fingir para não escandalizar:
“(...) jejuar, rezar, assistir Missa, e venerar os santos, exatamente como vinha fazendo antes,”mas que tente instruir seu pai o melhor possível; ele não erraria se “tomasse parte na Missa e outras profanações (sic) por causa do pai.” (Grisar: 221)
Visando sempre a reforma dissimulada, já em 1523 Lutero compôs um tratado sobre a Missa onde ainda mantinha vários ritos da Igreja católica “por causa daqueles fracos na fé”, enquanto alterava substancialmente o cerne do Santo Sacrifício da Missa. (Grisar: 249)
É por essas e outras que amigos de longa data de Lutero – como Erasmo – o acusavam nestes termos:
"Revelarei a todos que mestre insigne és em falsificar, exagerar, maldizer e caluniar. Mas já toda gente o sabe... Na tua astúcia sabes torcer a própria retidão, desde que o teu interesse o requeira. Conheces a arte de mudar o branco em preto e de fazer das trevas luz". (Grisar, Luther, II, 452 e ss, apud Franca, IRC: 200, nota 96)
Erasmo – longe de ser modelo de católico – irá apartar-se de Lutero quando a controvérsia sobre o livre arbítrio mostrar claramente que o monge alemão estava indo além da reforma a que supostamente havia se proposto, e querendo destruir mesmo a essência do Cristianismo. Conhecendo a capacidade do humanista, Lutero implorou a Erasmo que não o atacasse:
“Não escreva contra mim, nem aumente o número e a força de meus oponentes; particularmente não me ataque por publicações (through the press), e eu, de minha parte, me absterei também de atacá-lo”. (Grisar: 269)
E se a mentira era companheira de Lutero, sabemos que tal vício normalmente acompanha e justifica outros vícios. No caso luterano, era a soberba que transbordava de sua boca incontrolável, como na carta a Henrique VIII:
“Através de mim Cristo começou Sua revelação sobre as abominações no lugar santo.”
E ainda:
“Estou certo que meus dogmas vêm do céu.” (Grisar: 261)
Vemos também sua soberba em confissões como esta:
“Muito embora a Igreja, Agostinho e os outros doutores, Pedro e Apolo e até um anjo do céu ensinem o contrário, minha doutrina é tal que só ela engrandece a graça e a glória de Deus e condena a justiça de todos os homens na sua sabedoria.” (Weimar, XL, 1 Abt., 132; apud Franca, IRC: 179)
Lutero tinha suas doutrinas em tão doentia estima que chegou a dizer que eram a expressão máxima da verdade, mesmo “(...) se Deus ou Cristo anunciarem o contrário” (sic!) (Grisar: 497)
E se sua doutrina era tão sublime, evidentemente o monge rebelde não podia tolerar concorrência, embora empunhasse continuamente o estandarte de libertador:
“Ninguém deve erguer-se contra mim. (Propos de table, n. 1484) (...) “Cada um deve andar no freio”, para retomar precisamente sua expressão, freio, cujas rédeas estão, naturalmente, em suas mãos.” (Brentano: 132)
Quanto às críticas à sua tradução da Bíblia, Lutero reagia, entre outras amabilidades:
“Pela Graça de Deus, considero-me mais sábio do que todas as vossas universidades com seus sofistas.” (Brentano: 180)
É claro que o fundo milionário Thrivent e a Federação Luterana Mundial não mostraram nada disso no filme.
Sua intenção era promover Lutero a qualquer preço.
Mostraram o Lutero mito, E esconderam o Lutero histórico.
Essa separação entre Lutero mito e real já era reconhecida no século XIX pelo teólogo luterano Krogh-Tonning:
“Cumpre distinguir dois Luteros: um mítico, outro histórico. Ordinariamente só se ocupam do primeiro, ornado de todas as perfeições. Quando alguém quer apreciá-lo calça o coturno; olham-no do alto; e fazem tábua rasa da realidade. (...)” (Franca, PB: 306)
Os milionários americanos e os luteranos alemães calçaram o coturno e fizeram tábua rasa da realidade para prestar um culto a Lutero. Isso é incontestável e não surpreende.
O que intriga é saber como os luteranos puderamfazer um filme tão contrário à personalidade e à realidade histórica de Lutero, e não haver praticamente nenhuma reação?
Essa é a pergunta a ser feita.
Se o rebelde alemão era tão escandaloso – conforme mostraremos a seguir – como é que os luteranos puderam mostrar o Lutero mítico, e ninguém abre um livro para revelar o Lutero histórico?
Antes de analisarmos as mentiras do filme, tentemos responder essa pergunta fundamental.
Parece-nos que três fatores tornaram possível esse filme mitificador:
1. A ignorância universal sobre Lutero
Esse ponto nos parece pacífico, e pode ser confirmado pelas inúmeras cartas que recebemos de protestantes (e mesmo católicos) que não fazem a mínima idéia de quem tenha sido Martinho Lutero, nem da realidade histórica em que ele surgiu; só uns poucos eruditos conhecem e estudam a vida real do monge rebelde.
2. O papel fundamental do ecumenismo, que calou as vozes oposicionistas.
Apenas uma confissão nos parece suficiente sobre esse ponto. Escreveu o famoso teólogo D. Kloppenburg:
"Na década de 50 publiquei (...) livros, cadernos, folhetos e artigos sem conta. Era antes do Concílio Vaticano II (1962-1965), quando defendíamos nossa fé cristã e nossa Santa Igreja contra os ataques de seus adversários. (...) Veio então o Concílio com seu apelo ecumênico para o diálogo e a união. Dizia-se que o Vaticano II acabara de vez com a apologética. Em conseqüência e obediente, me afastei da liça. (...) de fato, depois não houve nem diálogo nem muito menos união”. (Kloppenburg: 7) D. Kloppenburg falava do espiritismo, mas podemos estender suas considerações a toda apologética.
Se mesmo apologistas notórios foram envolvidos nesse utópico ecumenismo, entende-se perfeitamente a ausência de reação católica.
Assim, dirigindo-se a um público desconhecedor de Lutero, e sem o risco de serem desmascarados pelos Católicos, os luteranos poderiam disseminar livremente sua noção de que Lutero foi um grande herói, um campeão da fé que libertou consciências aprisionadas pela Igreja Medieval.
Mas só a ignorância sobre Lutero e o silenciamento dos oponentes não bastava.
Faltava ainda uma contribuição fundamental, uma falsa noção potencializada pela sociedade consumista e refém intelectual dos meios de comunicação, tal como é hoje a sociedade ocidental: a noção de que os fatos narrados no filme são a expressão da verdade.
3. Vivemos uma Era da simulação ou do espetáculo
Daí vem em nosso auxílio a definição de Era da simulação ou do espetáculo (Wood: 100). Nessa Era da simulação, onde predominariam a imagem e a passividade,aspessoas aceitariam os pseudo-eventos do filme como se fossem verdades históricas. Numa época como essa, a sociedade baseada na imagem criaria e aceitaria representações superiores ao mundo real, e o homem seria espectador de um grande show: “O Homo spectator não vive, apenas contempla”.(Wood: 103) Será que já não vimos algo parecido com isso?
Com asseveram seus teóricos, na Era da simulação não importa mais o ser nem o ter, mas o parecer. Pouco importa a realidade: a representação tem apenas de ser convincente. E convincente é qualidade que não podemos subtrair aos filmes modernos.
Numa sociedade que aceita tais pressupostos, pouco importa se os eventos do filme Lutero ocorreram ou não: eles têm apenas que convencer o espectador: a verdade cede então espaço à verossimilhança.
Nesse contexto, o cinema passa a ocupar um papel fundamental, deixando de ser entretenimento para ser efetivamente instrumento pedagógico:
“A realidade transforma-se em produção cinematográfica e as experiências reais passam a ser julgadas contra seu correspondente fílmico, em uma posição desvantajosa.” (Wood: 103)
Embora essa abordagem tenha exageros evidentes, ela é suficientemente apropriada para definir o impacto que os assim chamados “filmes históricos” exercem hoje sobre a sociedade ocidental.
Valendo-se então desses três pontos, os milionários da Thrivent e os alemães da Federação Luterana puderam dar largas à sua criatividade, sem receio de serem importunados em sua aventura mitificadora.
Nessa linha, Lutero optou pela apresentação propagandística pura e simples. A problemática doutrinária foi sacrificada em nome de uma idealização do Lutero humano, do Lutero libertador, do Lutero destemido.
Ao ignorar as péssimas doutrinas de Lutero, seus ataques de fúria, seu orgulho indisfarçável, seus vícios constrangedores e sua linguagem vulgar, os produtores de Lutero escolheram a via fácil, visando influenciar o grande público.
É o que trataremos a seguir, apresentando a nossos leitores a verdade dos fatos em confronto com as “boas e grossas mentiras” luteranas.
Importa notar que a maioria dos autores por nós citados é de Católicos, mas que invariavelmente nos remetem às fontes do protestantismo, como mui freqüentemente as obras completas de Lutero na edição de Weimar e à sua parte mais controversa, as Conversas à Mesa (Propos de table),conjunto de anotações de frases de Lutero colhidas por seus hóspedes, e que compõem um retrato bastante vivo do rebelde alemão.
Dos autores citados, Grisar é um dos mais condescendentes com o comportamento grotesco de Lutero, e, portanto, o leitor terá diante de si um historiador dos mais imparciais. E Brentano, cuja posição é escancaradamente favorável a Lutero, embora nunca revele claramente sua religião tem, todavia as páginas mais duras sobre o ex-monge, que ele, embora preso ao compromisso de historiador, não se furte de tentar sempre justificar.
Nem citamos o Denifle... Deixemos este historiador Dominicano para uma biografia mais completa...
Assim, damos citações e relatos sobre Lutero do modo mais histórico e imparcial quanto é possível.
Se as frases e os pensamentos luteranos parecerem ao leitor muito chocantes, é porque Lutero não tinha meias palavras.
O que Lutero pensava – e pensava mal, muito mal – não tinha escrúpulos em externar. Essa foi a desgraça da Igreja e do povo da Alemanha, e por extensão da civilização ocidental.
Os negritos nas citações são nossos, a menos que citado diferentemente.
As citações trazem o sobrenome do autor seguido da página da obra, cujas referências se encontram ao final do trabalho.
Passagens do filme
1. Tempestade e raio: a primeira mentira
O filme começa com a versão clássica da tempestade e do juramento desesperado de Lutero, pronunciado em meio ao terror de ser atingido por um raio.
Ora, muito já se falou sobre a invalidade de tais votos, pronunciados sob uma pressão desestabilizadora e, portanto que não podiam vincular quem os pronunciava. Se esse princípio tivesse sido seguido, o mundo teria se livrado do tão grande mal causado por Lutero.
Mas há uma hipótese muito mais interessante para a súbita entrada de Lutero no mosteiro: a de que o jovem reformador teria buscado refúgio entre os agostinianos de Erfurt após ter assassinado um colega em duelo.
E essa hipótese é muito mais coerente que a história do raio. Por meio dela conseguimos compreender – por exemplo – o incomum transtorno de consciência que acompanhou Lutero durante seus primeiros anos no mosteiro. Mais instigante ainda é que tal hipótese foi pesquisada por anos por um alemão de origem protestante, Dietrich Emme. (Emme: 62)
Dietrich mostra que os primeiros biógrafos relataram que Lutero teria ferido um colega em duelo, e que quase simultaneamente uma grande tempestade o teria traumatizado. Os biógrafos são ninguém menos que Mathesius, Melanchthon e Seinecker. Esconder esse fato é algo significante. Como dissemos, os luteranos irão mentir nesse filme muito mais pela omissão do que pela mentira clara.
Os duelos eram proibidos pela Igreja, mas freqüentemente realizados pelos estudantes para resolver seus conflitos. Lutero carregava uma espada, graças a sua condição de mestre, e num episódio nebuloso em 1503 teria ferido a própria perna com sua espada. Tão grave foi o acidente, que Lutero temeu por sua vida, sendo socorrido por um médico.
Dietrich então sugere que esse fato foi resultado não de uma displicência do reformador, mas já de um primeiro duelo. Tanto mais que os registros da Universidade de Erfurt mostram que Lutero trocou nessa época a melhor associação estudantil (Collegium Ampionianum) por outra bem menos importante (Georgenburse), o que se explicaria como sendo um castigo pelo duelo (que as normas das associações proibiam).
Há também confissões interessantes de Lutero, como a que fez a seu secretário Veit Dietrich:
“Por uma extraordinária disposição de Deus, entrei para o mosteiro para que não me capturassem. Senão, eu teria sido preso facilmente. Não puderam porque minha ordem me acolheu.” (Emme: 63)
Outros textos mostram que Lutero entrou no mosteiro contra sua vontade:
“Eu não me tornei monge de bom grado e por minha vontade, e ainda menos para comer, mas cheio de terror e medo diante de uma morte súbita, pronunciei um voto forçado e não livre. (coactum et non necessarium votum)” (Emme: 63) [Grisar registra confissão semelhante (Grisar: 38)]
Também, em 1521, Lutero escreveu a seu amigo Melanchthon dizendo temer ter pronunciado seu voto monástico “de maneira ímpia e sacrílega” e de ter “agido sob coação” (Emme: 63)
Outro autor protestante (Nikolaus Selmnecker) relata as condições estranhas em que Lutero entrou no mosteiro:
“secretamente e de noite (clam et noctu) (...) e durante dois dias companheiros de armas, amigos, estudantes e outras pessoas vigiaram atentamente o convento e o cercaram para tentar fazer com que Lutero saísse, mas a entrada do convento foi fechada tão rigidamente que durante um mês ninguém pode aproximar-se de Lutero.” (Emme: 64)
Há ainda o registro da morte de um estudante na época da entrada de Lutero no mosteiro (Hieronimus Buntz, em 1505), devido à pleurite, infecção pulmonar causada pelo corte recebido no peito, muito comumente em conseqüência de duelos.
Mas há mais: Lutero não entrou no convento nem como postulante nem como irmão leigo. Durante os seis primeiros meses de permanência lhe deram os trabalhos mais humildes, a ele, que era o novo mestre: ele deveria virar o leite para fazer o queijo, limpar as latrinas: foi tratado como um servo.
Outro apoio interessante a essa hipótese é um documento de Lutero que ninguém deu muita atenção e que consta da coletânea de obras completas de Weimar. Esse documento é uma apologia do direito de asilo na Igreja, e foi circulado anonimamente em 1517 (quando se inicia o conflito, com a fixação das 95 teses), e depois em 1520. Nele, Lutero lembra que segundo a lei mosaica aquele que mata alguém sem ter sido seu inimigo, inadvertidamente, sem premeditação, não é culpável de assassinato.
Pergunta então Dietrich: seria então um tipo de autojustificação preventiva, no momento que Lutero tornar-se-ia um personagem público? Ou mesmo uma justificação da ordem agostiniana, por ter recebido em asilo um criminoso? (Emme: 64).
Parece servir aos dois propósitos...
Tendo por base essa outra versão dos fatos, explicam-se os comportamentos doentios de Lutero, como a frase: "Gostaria que não houvesse Deus" (Grisar: 49) que o filme atribui falsamente à pregação da Igreja.
Essa é apenas uma hipótese, mas que agrega diversos elementos instigantes, propositadamente esquecidos pelos luteranos.
É uma hipótese, mas que faz um sentido enorme, ainda mais quando conectada aos eventos que se seguem: a juventude sem freios de Lutero, que não contradiz em nada a idéia de um Lutero fanfarrão e duelista; e as doutrinas antinomistas de Lutero, em resposta a seu terror pela justiça divina.
2. Primeira Missa, segunda mentira
No filme que analisamos, a celebração da primeira Missa pelo jovem padre omite um fato capital: Lutero quase fugiu do altar, não fosse a intervenção de seu auxiliar. (Grisar: 47). Talvez tenha sido difícil justificar uma atitude tão doentia como essa, ainda que se acuse a Igreja medieval de impor medo aos seus fiéis.
E junto a este comportamento estranho, notem-se outros, também ausentes na produção cinematográfica luterana: monges de Erfurt contaram posteriormente ao apologista Católico Cochlaeus que o comportamento de Lutero devia-se provavelmente “ao contato com o demônio”. (Grisar: 42)
Um desses comportamentos estranhos se deu no Ofício. Lutero, “enquanto atendia o ofício divino no coro dos monges, caiu prostrado no chão e foi sacudido por convulsões, enquanto o Evangelho do endemoniado era recitado, e gritou alto: Não sou eu! Não sou eu! (significando que ele não era o homem possuído).” (Grisar: 49)
Também vários autores narram como Lutero, mais de uma vez, foi encontrado desfalecido, em conseqüência de não comer, não beber nem repousar por dias seguidos!
É curioso que os luteranos irão acusar a Igreja medieval por esse comportamento patológico que, no entanto só se manifestava em Lutero, em nenhum outro monge!
Tal comportamento reforça a hipótese de Emme, de que Lutero sofria tremendamente os remorsos de seu crime. Aqui a hipótese do duelo encontra um apoio muito consistente. Ainda mais que Lutero era muito orgulhoso, potencializando os efeitos do remorso num escrúpulo doentio.
O problema para Lutero é exatamente seu orgulho extremo, que o impedirá de usar os remédios que Deus colocou à disposição dos pecadores, através da Igreja: a confissão e o arrependimento sinceros, além da oração constante.
3. A visita oficial a Roma...
Aqui temos, não uma omissão, mas uma das claras inverdades do filme: que Lutero teria ido a Roma por ordem de seu superior-geral – Staupitz. De fato, Lutero foi a Roma contra Staupitz, como representante do mosteiro de Erfurt.
Staupitz queria unir os mosteiros observantes (da regra) e os conventuais, e Lutero foi enviado a Roma contra essa união, que acabaria por prejudicar a causa dos observantes. Portanto, Lutero foi a Roma contra Staupitz. (Grisar: 51-52)
Aliás, esse é o motivo do fracasso de sua viagem: o caráter não oficial de sua demanda, que – para ser aceita – exigiria uma carta do próprio Staupitz. Por isso, Lutero não foi recebido em Roma pela Cúria papal. (Grisar: 53)
Talvez tenha ficado difícil encaixar no roteiro o conflito entre os dois religiosos, já que o filme tem que mostrá-los amigos. Talvez fosse difícil explicar por que Lutero foi a Roma sem motivo justificado, já que a petição que carregava só poderia ter sido aceita caso fosse realmente enviado por Staupitz.
E aí seriam muitas perguntas a responder: quem de fato mandou Lutero a Roma?
Com que finalidade, já que não era uma missão oficial?
Será que é coincidência Florença estar no caminho de Roma? Florença, que sediava a famosa Academia Platônica de Marcilio Ficino, e onde talvez Lutero tenha lido o pseudo-Hermes Trismegisto, de cuja obra ele depois demonstrará ter domínio completo?
Seriam muitas perguntas a responder, mais fácil dizer que foi uma missão oficial...
E convém também mostrar que de inocente Staupitz nada tinha. Por isso ele é o único católico que não foi demonizado pelo filme.
Grisar mostra que Staupitz ficou ao lado de Lutero mesmo após sua condenação pela Igreja, apesar de creditar isso a uma visão curta do superior. E que Staupitz também elogiou a coragem de Lutero, mesmo nos períodos críticos que antecederam a apostasia. (Grisar: 69)
Em 1518, o agostiniano Della Volta recebeu a missão do Papa de fazer com que os superiores de Lutero o dissuadissem de suas idéias. Staupitz, mesmo pressionado, nada fez (Grisar: 95). Ora, por que o filme também não mostrou essa teimosia do superior, incompatível com uma visão tenebrosa e tirânica da Igreja medieval?
E mesmo após a excomunhão e a revolta aberta, Staupitz protegeu e justificou o pupilo nesses termos:
“Martim tomou sobre si uma difícil tarefa e age magnânimamente, iluminado por Deus” (Grisar: 171)
Llorca é mais expresso: Leão X mandou que o superior agostiniano contivesse o monge impetuoso, mas “como Staupitz era um de seus principais protetores e admiradores, esta medida da cúria romana não teve resultado.” (Llorca: 669)
É isso que explica Lutero reclamando ter sido abandonado, quando Staupitz finalmente começou a deixá-lo por pressões da Igreja:
“Você me vira as costas muito freqüentemente. Como seu filho favorito isso me fere de modo intenso. (...)” (Grisar: 120)
Parece que no final da vida, depois de contribuir sobremaneira para a revolta de Lutero, Staupitz rejeitou o pupilo e morreu Católico, em 1524 (Grisar: 178)
Fidelium animae per misericordiam Dei requiescant in pace.
4. Papa Julio cavalgando de armadura em Roma. O cândido Lutero de joelhos
A aparição do Papa Júlio de armadura em Roma serve para impressionar a grande maioria dos espectadores: Lutero, o humilde; Julio II, o guerreiro soberbo!
Embora a sociedade Quinhentista estivesse minada em suas estruturas morais pelo renascimento pagão, é falso que a Igreja não devotasse grandes esforços – e há muito tempo – para uma verdadeira reforma nos costumes.
É falso também que não tivesse preocupação com a salvação das almas, principalmente do povinho mais miúdo.
O IV Concílio de Latrão – realizado em 1215 e citado falsamente no filme – evidencia que 300 anos antes de Lutero a reforma de costumes e a preocupação pastoral faziam parte da vida da Igreja: Cânon 9:
“(…) Já que em muitas localidades dentro das cidades e dioceses há pessoas de diferentes línguas tendo uma só fé mas vários ritos e costumes, ordenamos estritamente que os bispos dessas cidades e dioceses devam prover homens apropriados que, de acordo com diferentes ritos e línguas, celebrem os ofícios divinos para eles, administrem os sacramentos da Igreja e os instruam pela palavra e pelo exemplo.” (http://www.intratext.com/IXT/ENG0431/__P9.HTM)
E o mesmo Concílio em relação à reforma de costumes: Cânon 14:
“Para que a moral e a conduta geral dos clérigos possam melhorar faça-se que todos vivam casta e virtuosamente, particularmente aqueles investidos nas sagradas ordens, guardando contra todo vício do desejo, especialmente tendo-se em conta que a ira Divina desce do céu sobre os filhos da descrença, então que em vista do Deus Todo-Poderoso possam eles cumprir suas obrigações com o coração puro e o corpo casto. (...) Os prelados que derem auxílio a tais iniqüidades, especialmente visando dinheiro e vantagens temporais, deve estar sujeito a tal punição (o afastamento perpétuo).” (http://www.intratext.com/IXT/ENG0431/__PE.HTM)
O filme propõe uma distinção paradoxal: todos os padres do século XVI seriam corruptos, menos Lutero.
Alguém um pouco mais atento perceberá o contraste, e se perguntará: mas Lutero também não era padre? Por que só ele não se corrompeu? Será mesmo que o clero era tão ruim assim como pintaram os luteranos?
É fato reconhecido (mesmo por protestantes) que Lutero exagerou a corrupção na Idade Média para lançar as pessoas contra a Igreja Católica (Grisar: 130-132).
E para piorar, Lutero lançou mão mesmo de lendas sem comprovação para atacar a Igreja:
“Lutero era inventivo na promoção de sua causa. Em sua avidez de lucrar o que parecesse servir aos seus fins, Lutero ao final de 1520 fez uso de uma notória fábula atribuída ao bispo Ulrich de Augsburg, publicando-a [a fábula] em Wittemberg com seu prefácio. Essa publicação pretendia ser uma efetiva arma contra o celibato dos padres e religiosos. Nessa carta o santo bispo é representado narrando como cerca de 3000 (de acordo com outros, 6000) cabeças de crianças foram descobertas num reservatório de água do convento de freiras de São Gregório em Roma. (...) (Jerome) Emser desafiou Lutero a publicar essa questionável carta, e ele respondeu que não confiava muito nela. (sic!) Todavia, graças a seu patrocínio, a fábula pôde continuar sua destruidora carreira e foi zelosamente explorada.” (Grisar: 177)
Lutero mesmo apelará a tal carta ainda em três ocasiões (registradas nos Propos de table) embora não pudesse provar sua autenticidade! (Grisar: 177; nota 64)
É curioso também notar que Emser, secretário do duque George da Saxônia, já havia acusado Lutero de uma vida dissoluta em sua época de estudante - “grande delinqüência de sua parte” – ao que Lutero não respondeu, e mesmo admitiu indiretamente. (Grisar: 30)
Jerome Dungersheim fez companhia a Emser, apontando os “maus hábitos” do jovem estudante, e atribuindo a esses comportamentos e à falta de oração o fato de Lutero rejeitar a possibilidade do monge observar seu voto de castidade. (Grisar: 30-31)
Se Lutero não era correto na juventude, muito menos o será posteriormente: quando ainda era vigário rural escreveu confessando seu relaxamento no cumprimento das obrigações morais:
“É raro que eu tenha tempo para a recitação do Ofício Divino ou para celebrar Missa, e então, também, eu tenho minhas peculiares tentações da carne, do mundo, e do demônio” (Grisar: 62)
Evidentemente a tríplice concupiscência não pouparia o monge: sem rezar e sem comungar, como Lutero poderia esperar salvar-se?
A Bíblia – que Lutero dizia conhecer – manda insistentemente: “Vigiai e orai para não cairdes em tentação.” (Mt, XXVI, 41)
Mesmo o condescendente Staupitz foi obrigado a fazer Lutero saber em 1522 que o monge rebelde estava indo longe demais, e que as atividades de Lutero estavam sendo “louvadas por aqueles que mantém casas de má-fama.” (Grisar: 178) Lutero por essa época pregava a libertação das autoridades eclesiásticas e a quebra dos votos monásticos, que esvaziou muitos conventos. Daí a advertência de Staupitz, que via bem onde estava conduzindo o evangelho luterano...
Em Julho de 1521, portanto quando estava no castelo de Wartburg, Lutero escrevia a Melanchthon:
“Eis que, eu rezo muito pouco... Por uma semana inteira eu nem escrevi, nem rezei nem estudei, atormentado em parte pelas tentações da carne, parte por outro problema [constipação]. Reze por mim, pois na solidão estou afundando no pecado. (...) Eu queimo nas chamas de minha carne insubmissa; em resumo, eu deveria estar ardente no espírito, pelo contrário eu ardo na carne, no desejo, na preguiça, na desocupação e na indolência, (...) Eu sou severamente experimentado pelo pecado e pelas tentações. (...)” (Grisar: 199)
Lutero dizia o mesmo a Staupitz dois anos antes. (Grisar: 199)
Vejam essa confissão, prezados leitores: Lutero ficava uma semana inteira sem rezar! E ainda por cima ficava ocioso, pois nem lia, nem estudava!
Entregue ao ócio, mãe de todos os vícios, e sem rezar, sem pedir a ajuda divina, certamente iria cair em tentação.
Lutero reclamava das tentações, porém, ao invés de rezar e fazer penitência, abandonava-se cada vez mais ao vício; não rezava nem vigiava.
E como os vícios gostam de fazer companhia um ao outro, pois o semelhante atrai semelhante, vemos como Lutero os possuía com largueza:
“À sua Catarina escrevia em 1540: vou comendo como um boêmio e bebendo como um alemão, louvado seja Deus!” (Franca, IRC: 186).
E em 1534 havia escrito:
“Ontem aqui bebi mal e depois fui obrigado a cantar; bebi mal e sinto-o muito. Como quisera haver bebido bem ao pensar que bom vinho e que boa cerveja tenho em casa, e mais uma bela mulher... Bem farias em mandar-me daí toda a adega bem provida do meu vinho e, o mais freqüentemente que puderes, um barril de tua cerveja.” (Franca, IRC: 186)
São confissões escandalosas na boca de um reformador evangélico.
Mas não para por aí. Mandava dizer de Wartburg (1541): “Aqui passo todo o dia no ócio e na embriaguez.”. Em Erfurt, por 1522, Melanchthon relata que Lutero não fez senão “beber e gritar, como de costume.” (Franca, IRC: 186)
Em 1531 o rebelde reclama a Wenceslau Link:
“a dor de cabeça, contraída em Coburgo por causa do vinho velho, ainda não foi debelada pela cerveja de Wittemberga” (Franca, IRC: 187)
Na mesma linha da decadência moral, Lutero encaixa então seu sistema teológico. Veja-se como ele aconselha o atribulado Jerome Weller em termos estarrecedores:
“Quando te vexar o diabo com estes pensamentos, palestra com os amigos, bebe mais largamente, joga, brinca ou ocupa-te em alguma coisa. De quando em quando se deve beber com mais abundância, jogar, divertir-se e mesmo fazer algum pecado em ódio e acinte ao diabo para não lhe darmos azo de perturbar a consciência com ninharias... Quando te disser o diabo: não bebas, responde-lhe: por isso mesmo que me proíbes hei de beber e em nome de J.C. beberei mais copiosamente... Por que pensas que eu bebo, assim, com mais largueza, cavaqueio com mais liberdade e banqueteio-me com mais freqüência, senão para vexar e ridicularizar o demônio que me quer vexar e ridicularizar de mim?... Todo o decálogo se nos deve apagar dos olhos e da alma, a nós tão perseguidos e molestados pelo diabo.” (De Wette, IV, 213, apud Franca, IRC: 187)
Cristo havia mandado o jovem rico guardar os mandamentos.
Lutero mandou seu discípulo apagar os mandamentos dos olhos e da alma! Eis o reformador evangélico!
E como conseqüência do princípio luterano, o rebelde escreve ao então escrupuloso Melanchthon em 1521:
“Seja um pecador, e peca fortemente, mas creia ainda mais firmemente (Esto peccator et pecca fortiter, sed fortius fide)” (Grisar: 206)
Peca fortemente! Sabendo que Cristo o perdoará!
Ora, o pecado é uma ofensa a Deus. Como alguém pode pretender ofender outrem, contando antecipadamente com a bondade dessa pessoa em perdoá-la?
Como pode um verdadeiro reformador evangélico incitar alguém ao pecado, como fez Lutero? Se isso não é permitir toda violação da lei, então o que será?
Livre de todo freio moral, Lutero dará à história do protestantismo páginas inacreditáveis de baixezas, que eram resultado de sua constituição bruta e principalmente de sua doutrina péssima.
Grisar mostra que o uso de expressões rasteiras pelo reformador era uma constante, e uma verdadeira fixação:
“Suficiente lembrar aqui que a esfera das funções ventrais constitui o solo mais fértil de suas (de Lutero) amplificações e comparações. Os estudantes ao redor de sua mesa freqüentemente indicam termos impróprios em seus manuscritos por meio de sinais, como I e X, no lugar onde a pena hesita em expressar a palavra suja. (...) Caspar Schatzgeyer, um dos mais moderados entre os apologistas católicos (...):“Nunca”, ele diz, “em qualquer outra disputa literária tal conjunto de armas foi usado.” (Grisar: 484)
Por conta do desconhecimento do verdadeiro Lutero e de sua mitificação, tornou-se comum a rejeição aos textos dos Propos de table, por não parecerem dignas do Lutero mítico. Mas como vimos acima, e como veremos a seguir, Lutero era comumente vulgar e brutal, particularmente contra seus inimigos, mas mesmo nas conversas entre os seus.
É o que se vê, por exemplo, na disputa epistolar entre Lutero e Lemnius, seu antigo discípulo, não menos vulgar que o mestre: embora não possa ter muito crédito, por suas mentiras e frivolidades, bem como por sua baixeza, Lemchem é um exemplo de como o espírito evangélico dominava os pseudo-reformadores:
“Ele (Lemchem) compôs um poema revoltante no qual ele descreve Lutero acometido de disenteria (sic!). Lutero lhe devolve uma “xxxx-song” (!), na qual ele presta tributo a Lemnius em linguagem não menos vulgar que seu oponente. (Propos de table, n. 4032)” (Grisar: 502)
A propósito, o Salmo:
"De maledicência, astúcia e dolo sua boca [do ímpio] está cheia; em sua língua só existem palavras injuriosas e ofensivas." (Salmo IX, 28)
Nessa linha de vulgaridade injustificada, o filme também não revela o modo como Lutero costumava se referir ao Papado:
“No fim daquele mês (fevereiro de 1545) apareceram duas estampas devidas à colaboração desses dois homens de gênio (sic), Martim Lutero e Lucas Cranach: o papa-asno e o papa-porco, seguidas duma série de dez gravuras em madeira guarnecendo quadras de Lutero onde este fizera seu “testamento”. Grosseiras obscenidades: o demônio gerou o papa, as fúrias o alimentaram no seio; convidado para um concílio, ele apresenta à Cristandade pasmada, sua própria imundície. Uma das estampas mostra o papa com uma cabeça de burro, tocando a cornamusa para atrair os imbecis ao seu concilio (Trento). (...) Outra apresenta o pontífice a cavalo num porco do alto do qual abençoa um monte de imundícies fumegantes, para o qual o animal estende o focinho. Eis aqui os versos de Lutero gravadas no alto: Porco, deixa-te conduzir / Esporear sobre teus dois flancos / Um belo concílio será tua recompensa, / Este fino prato (o monte de imundícies) constituirá o acepipe.” (Brentano: 215)
Brentano refere-se à obra conjunta de Cranach – que aparece rapidamente no filme, junto ao eleitor Frederick – e Lutero: Contra o Papado de Roma fundado pelo demônio. As figuras de Cranach e os textos de Lutero são horripilantes. Nos furtamos de reproduzir tal baixeza, que pode ser conferida na fonte (Grisar: 546-547).
Os protestantes se esforçam por esconder essa obra imoral e delirante de Lutero, como se pode ver em Köstlin, que só cita duas imagens, as menos ofensivas (figuras abaixo) e que reproduzem a suposta tirania do Papa sobre os imperadores alemães. (Köstlin: 563):
Imagens blasfemas do Papa (Grisar: 546-547)
E juntamente com a vulgaridade obscena, o ódio era marca registrada do rebelde alemão.
Na resposta ao teólogo Prierias, Lutero perde todo o controle:
“Se a fúria dos Romanistas chega a isso,” ele escreve, “parece-me não haver outro remédio para o imperador, para os reis, e para os príncipes senão atacar essa peste na Terra por meio das armas, e decidir a questão com a espada ao invés de palavras (...) Se punimos os ladrões com a forca, os assaltantes com a espada, os hereges com o fogo, então por que também não nos armamos e não atacamos esses mestres da corrupção, esses cardeais, esses papas, e toda essa corja da Sodoma Romana que corrompe a Igreja de Deus sem fim? Por que não lavamos nossas mãos em seu sangue?” (Grisar: 148)
E Lutero, no afã de atacar o Papa e o imperador, proibia seus príncipes de ajudá-los no combate aos turcos. Em 1524:
“Nós recusamos obedecer e marchar contra os Turcos ou contribuir para essa causa, já que os Turcos são dez vezes mais inteligentes e mais devotos que nossos príncipes” (Grisar: 326)
E depois:
“o governo do Papa é dez vezes pior que aquele do turco... Se os turcos merecem ser exterminados, será preciso começar pelo Papa.” (Grisar: 326)
E isso quando os turcos já batiam às portas de Viena, ameaçando toda a Europa Cristã!
De fato Lutero terá grande culpa no atraso ao combate aos turcos que ameaçavam a Cristandade. Isso será causa mais tarde de imensos remorsos para o reformador, ao constatar a destruição causada pelos muçulmanos. De fato, essa ameaça será um empecilho constante para que o imperador se dedique ao problema religioso na Alemanha, e será mesmo oportunidade de barganha para os príncipes protestantes. Em 1532, para afastar mais uma vez o perigo turco, Carlos V teve que ceder em Nuremberg e anular a Dieta de Augsburg, que havia terminado favoravelmente ao Catolicismo. (Llorca: 686-687)
Lutero alimentava-se de ódio: ele praguejava contra o Papa, e abençoava seus discípulos desejando que igualmente odiassem o Sumo Pontífice. Seu ódio chegava a tal ponto que ele dizia que renovar o ódio ao Papa apascentava seu espírito e dissipava suas tentações! (Grisar: 442)
Contra Lutero, diz o Príncipe dos Apóstolos:
“(...) sede todos dum mesmo coração, compassivos, cheios de amor fraternal, misericordiosos, modestos, não retribuindo mal por mal, ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo” (1 Pe, III, 8-9)
E como diz a Escritura, "a boca fala o que transborda do coração" (Mt XII, 34)
E a hipocrisia de Lutero se revelava por vezes demasiado clara: em 1521, quando ele esperava ainda poder cativar o imperador em prol de sua causa, escrevia a Carlos V em termos extremamente respeitosos com relação ao papado e à Igreja; ao mesmo tempo, terminava seu tratado De Captivitate Babylonica, onde descreve o papado como o reino da Babilônia e repudia a hierarquia e toda a Igreja visível nos piores termos! (Grisar: 162)
O imperador – muito corretamente - rasgou a carta hipócrita de Lutero durante a Dieta de Worms. (Grisar: 162)
Hipocrisia, violência, deboche. Contra os inimigos, qualquer arma era válida para Lutero. O Bispo de Meissen, John von Schleinitz, baseando-se no V Concílio de Latrão, opôs-se ao rebelde em 1520 quanto à demanda pela comunhão sob as duas espécies. Lutero então reagiu violentamente, primeiro insinuando que o autor de tal proibição não poderia ter sido um bispo, para se desvencilhar da autoridade; depois dizendo – na linguagem que lhe era própria – que o documento muito apropriadamente tinha surgido na quaresma, pois o seu autor “provavelmente havia perdido sua razão durante o carnaval.” (Grisar: 150-151)
O pior é que Lutero confessaria sua arbitrariedade doutrinária nesse ponto, nos seguintes termos:
“Se um Concílio ordenasse ou permitisse as duas espécies, por despeito ao Concílio, nós só receberíamos uma, ou mesmo, nem uma nem outra e anatematizaríamos os que, em virtude dessa ordenação, recebessem as duas.” (Bossuet, T. 1, L. 1, 59)
Na verdade Lutero não queria reformar coisa alguma.
Ele queria apenas destruir o que a Igreja, única guardiã da doutrina verdadeira de Nosso Senhor, havia edificado e sustentado por quinze séculos.
Quem vê o Lutero doce e controlado do filme nem imagina tal realidade...
http://www.montfort.org.br/index.php...me&lang=bra#26
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