Para acabar de vez com o mito Aristides Sousa Mendes
Na segunda parte da entrevista de José Hermano Saraiva ao Sol, por ocasião do seu 90º aniversário, o historiador mais uma vez ajuda a causa da verdade relativamente ao mito Aristides Sousa Mendes. Num processo sórdido que até envolveu a subtracção de documentos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, documentos esses que mais facilmente ajudariam a demolir o mito, não é fácil ajudar a desfazer uma história que ainda por cima contribui para denegrir mais uma vez Oliveira Salazar.
Lemos, assim, na página 40 do suplemento “Tabú”:
- Nas suas Memórias provocou um grande escândalo ao dizer que Aristides Sousa Mendes não foi o herói que fizeram dele, e até levantou dúvidas sobre as intenções daquilo que se considera o seu grande papel na salvação de vidas. Em que é que se baseou para fazer esse outro retrato de Aristides Sousa Mendes?
-Quando advogado, eu almoçava todos os dias num restaurante numa rua da Baixa, onde se comia muito bem, e travei relações com um homem que tinha sido subinspector da PIDE e que fora demitido. Tornara-se solicitador – um solicitador não encartado – e ajudava muitos advogados. Esse homem contou-me que tinha sido demitido por causa do processo do Aristides. Ele e outro inspector fizeram um cambalacho com uns passaportes falsos que venderam muito caro. Mais tarde, o Eng. Leite Pinto antigo ministro da Educação, contou-me que, quando era administrador dos caminhos-de-ferro da Beira, Salazar lhe pediu para fazer uma operação-mistério, de grande porte, que era transportar da fronteira de Irun para Vilar Formoso milhares de republicanos espanhóis e judeus que lá estavam acumulados e que o Franco, se os apanhasse, matava. E que, se lá ficassem, eram mortos pelos apoiantes do Hitler. Então, os comboios do volfrâmio, que iam para lá selados, eram despejados em Irun e recarregados com os refugiados, que eram despejados em Vilar Formoso. Daí eram levados para várias terras – uma delas, as Caldas da Rainha, onde toda a gente sabe que estiveram um mês. Ao fim de um mês tinham de ir à sua vida. De facto, qual era a possibilidade de um cônsul, um simples cônsul, mobilizar meios para transportar 40 mil pessoas através de um país hostil? Como é que isso seria possível? Só era possível para uma organização estatal, como é evidente. Mais: não há nenhum documento do Aristides que diga isso, não há nenhum. E ele nem sequer foi demitido, porque era monárquico, era irmão do César de Sousa Mendes, que tinha sido ministro juntamente com o Dr. Salazar, ministro dos Estrangeiros. Tinha uma carreira obscura, já com vários processos disciplinares. Naquela altura estava em Bordéus, que era um consulado sem grande importância, tinha uma família numerosa e dificuldades económicas. Fizeram umas centenas de passaportes, que venderam, até que a PIDE deu por isso. Acontece que um dos beneficiários dos passaportes, um judeu, soube que tinham sido salvas 40 mil pessoas e concluiu que o haviam sido pela mesma porta dele, pelo cônsul de Bordéus, e veio dizê-lo. E isso foi aceite imediatamente, sem a mínima investigação…
Tomei a liberdade de por a negrito a parte do texto mais interessante... até pelo implausível... o Professor Salazar a receber republicanos e anarquistas espanhóis em Portugal? De tão estranho até pode ser mesmo verdade. Porque, de facto, a operação de salvamento de 40.000 judeus atribuída a Aristides de Souza Mendes jamais poderia ter sido levada a cabo sem apoio do Estado Português... Nestes tempos de esquecimento e mistificação histórica em Portugal como em Espanha, este testemunho do Dr. José Hermano Saraiva é precioso para Salazar ter um julgamento histórico mais justo.
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