RAINHA DE PORTUGAL

Guardai, Senhora, a Nação da qual sois Padroeira !
As leis que ofendem o direito divino, o direito natural e o direito eclesiástico não irrompem numa comunidade de um instante para o outro: ou o seu conteúdo já fervilhava antes que fossem promulgadas, ou vinham anunciadas em precedentes cuja essência era igualmente maliciosa, e apenas se distinguiam das que lhe sucederam por um menor grau de intensidade no acto da respectiva aplicação.

Nestes casos, observamos que a ordem instalada para continuar a obra deletéria, agravando-a, chega invariavelmente ao poder sem resistência digna de menção. Sinal incontornável de como os espíritos já estão preparados para a receber, não sendo de modo nenhum vítimas da mudança verificada, contrariamente ao que se apregoa amiudadas vezes. Por isso, deitar a carga dos males que afligiram Portugal durante a I República, para cima dos homens da Rotunda, afigura-se-me juízo tão ligeiro como atribuir ao 25 de Abril a autoria plena das misérias que nos desgraçam.

Parece-me, pois, um erro de consequências funestas dizer que a culpa dos males, que afligem as nações, está exclusivamente nas instituições políticas vigentes em cada momento histórico, cabendo-lhes por inteiro essa terrível responsabilidade. Aquelas que temos por más, mais do que causa, são o efeito das nossas falhas e dos nossos pecados. Não raro, para encontrar este nexo temos de recuar bastante, porque ele não está tão próximo, nem é tão imediato como se costuma crer.

Eu nunca me atreveria a compor este quadro de forma diferente daquilo que tracei, porque temeria lançar a sombra da confusão entre o que ali se desenhou e tanta luta de sacrifício e pundonor. Marcar esta linha separadora, é o meio que encontro de não apagar da memória a tenacidade jacobita, a gesta vendeana, a epopeia requeté, a cristíada mexicana e a fidelidade católica do miguelismo. Lembrar tudo isto, sem nostalgia e sem ódio, indicando apenas tais lances históricos como exemplos a seguir. É que eles encerram a lição da distância que vai da revolução contínua à reacção de um povo, quando este ainda conserva vigor anímico e combate as hostes da desolação e da morte.

Sempre que está cheia de saúde moral, a sociedade tende a plasmar-se segundo o figurino monárquico; se a rói a doença, revolve-se em crises geradas por doutrinas que negam o que há de transcendente no poder político, até que, consumida pelo liberalismo e pela democracia, acabará nas garras da anarquia. Depois, é a tarefa da recomposição e do retorno à ordem natural, porque as sociedades têm, como os indivíduos, o instinto de sobrevivência.

Tempos houve em que os teólogos proclamavam a existência do pecado social. Hoje, quem ouve falar disto? «Vos estis sal terrae. Quod si sal euanuerit, in quo salietur? ad nihilum ualet ultra, nisi ut mittatur foras, et conculcetur ab hominibus.» Nos dias que correm, se o sal não salga, não é menos certo que a terra também não se deixa salgar. Por onde se vê que todas as estruturas da sociedade estremecem.

Regressemos, porém, ao estritamente temporal:

As instituições políticas não criam as comunidades que conhecemos: esta conclusão tanto é verdadeira para os adeptos da tese do pacto social, como para aqueles que, como eu, não o são. O poder político dá-se na comunidade como sujeito de informação na substância que o sustenta. Nunca se desenvolve em sentido inverso!

O exercício da soberania é fatalmente condicionado pelos seus destinatários. Esta reciprocidade determina que o poder político é, em grande parte, reflexo da comunidade sobre a qual actua. Daí, a justeza daquela máxima de ter cada povo o governo que merece.

Entretanto, a perfeição desse todo, unum per se, depende da harmonia dos dois elementos que o compõem. Esta, por sua vez, é tanto maior quanto a sua unidade for conforme à verdade ontológica.

De novo, aqui se descobre o papel decisivo de cada homem na construção da ciuitas. É certo que a sociedade existe para o homem e não o homem para a sociedade. Todavia, isto não o dispensa de cavar os alicerces e erguer os muros da comunidade onde se insere, e graças à qual vive: impõe-lhe, isso sim, o dever de ser obreiro dessa tarefa ciclópica. Por isso, ou o homem se reforma, ou a onda avassaladora crescerá, galgará continentes e há-de afogar-nos, se até lá Deus não encontrar dez justos nesta Sodoma e Gomorra em que nos tornámos.

Termino, protestando a minha esperança na Monarquia como modelo político que está mais conforme ao exposto, e que é capaz de dar resposta aos anseios de uma ordem justa. Mas a Monarquia autêntica, aquela que nos oferece a dinastia como quadro de uma família prolongando-se no tempo, espelho da perenidade da nação já que em cada família está a célula fundamental da sociedade; a Monarquia que, por assentar a sua base na família tem, como todas as famílias, uma chefia, dotada de autoridade, responsável e, ipso facto, idónea a votar-se ao serviço dos que nela confiam; a Monarquia que repele a quimera da democracia e a descomunal mentira do conúbio promíscuo de um poder dividido, só reconhecendo, como canais da voz dos povos, os corpos intermédios, esses núcleos naturais anteriores à Pátria comum; por fim, a Monarquia que, moralmente fiel à Igreja, toma como encargo mais nobilitante a missão de ser farol da Terra Prometida, para a grei que dirige!



Joaquim Maria Cymbron


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  1. Mt. 5, 13.

JMC

Publicada por Joaquim M.ª Cymbron em 14:19