No Governo, os políticos são optimistas profissionais; na oposição, pessimistas encartados. Não admira, portanto, que o Presidente da República e o primeiro-ministro tentem desdramatizar a situação difícil que estamos a atravessar, passando a mensagem que mais ano menos ano a economia vai recuperar e as coisas vão melhorar, como aconteceu invariavelmente no passado.
A grande questão, contudo, é que desta vez os factores conjunturais da crise (ou das várias crises) são poucos e os factores estruturais muitos, pelo que a crise não vai passar e sim aprofundar-se e obrigar-nos a todos a mudar os nossos hábitos e padrões de vida.
Com efeito, primeira tendência, o aumento do preço dos combustíveis fósseis não é conjuntural - é estrutural. Há cinco anos ninguém consideraria que o preço do barril do petróleo pudesse ultrapassar os 100 dólares. Hoje já se coloca a hipótese de um dia destes termos o barril acima dos 200 dólares. Preparem-se, portanto: o transporte privado vai diminuir dramaticamente, as viagens de avião vão tornar-se um luxo.
Segunda tendência: o aumento do preço da electricidade nas nossas casas também vai passar a ser constante, devido à subida de todos os factores que contribuem para a sua produção. Recorrer a produção própria por via solar vai tornar-se inevitável.
Terceira tendência: a água vai ser mais escassa, logo o seu preço também vai subir exponencialmente. Esqueçam as piscinas privadas, fontes públicas, campos de golfe e banhos de imersão e comecemos a habituar-nos a cortes sistemáticos nos fornecimentos de água aos domicílios e a multas pesadas para quem desperdiçar o precioso líquido.
Quarta tendência: o preço dos bens alimentares explodiu e não volta para trás, mesmo com o aumento da produção, porque há milhões de pessoas que passaram a ter acesso a esses produtos.
Ou seja, acabou a comida barata, a energia barata, os combustíveis baratos ou a água barata. Por outras palavras: bens democráticos, a que a generalidade dos cidadãos tinha acesso, como a água, pão, electricidade, gasolina ou gasóleo estão a tornar-se bens de luxo ou quase, a que cada vez terão mais dificuldade de acesso as classes médias e de menores rendimentos.
As razões são várias, mas a mais decisiva é que a subida vertiginosa dos preços do petróleo e a ascensão de milhões de cidadãos dos países emergentes a níveis de vida que nunca tiveram antes está a produzir uma enorme transferência planetária de riqueza, estimada anualmente em três biliões de dólares, da Europa e Estados Unidos para a Ásia, África e América Latina.
As consequências também serão várias - e todas elas potencialmente explosivas, porque a fome, a sede e a miséria não são boas conselheiras. A primeira é que a possibilidade de violentas convulsões sociais, com impactos fortíssimos a nível político e mesmo riscos para os sistemas democráticos é fortíssima. A segunda é que, à luz da História, situações destas acabam por resolver-se através de conflitos bélicos mundiais, que dizimam milhões de pessoas e reequilibram as condições de vida no planeta. 210 anos depois, Thomas Malthus volta a estar na moda.
Niculau Santos in http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=st...stories/328752
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