As Cruzadas são com frequência apresentadas como um exemplo clássico do mal que pode ser feito por uma religião organizada.
O homem médio, tanto no Cairo como em Nova York, tende a concordar com a ideia de que as Cruzadas foram um ataque não-provocado, cínico e insidioso, promovido por fanáticos contra o pacífico, próspero e sofisticado mundo muçulmano da época.
Isso não foi sempre assim. Na Idade Média, não havia cristão na Europa que não tivesse certeza de que as Cruzadas eram sumamente boas e justas.
Os próprios muçulmanos respeitavam os ideais das Cruzadas e a nobreza dos homens que nelas lutavam.
As coisas começaram a mudar com a Reforma Protestante. Para Martinho Lutero – que já havia rejeitado a autoridade do Papa e a doutrina sobre as indulgências – as Cruzadas não passavam de manobras de um papado sedento de poder.
Chegava a afirmar que lutar contra os muçulmanos equivalia a lutar contra o próprio Cristo, pois Ele tinha enviado os turcos para punir a Cristandade pelos seus pecados.
Quando o sultão Suleiman, o Magnífico (1495-1566) começou a invadir a Áustria com os exércitos otomanos, Lutero mudou de opinião sobre a necessidade de lutar, mas manteve-se firme em suas críticas às Cruzadas.
As Cruzadas foram vituperadas por Lutero e distorcidas pelo Iluminismo.
Ao longo dos duzentos anos seguintes, as pessoas tendiam a ver as Cruzadas com olhos confessionais: os protestantes lançavam-lhes vitupérios e os católicos, elogios. Quanto a Suleiman e seus sucessores, ambos concordavam: queriam livrar-se dele.
A atual visão a respeito das Cruzadas nasceu do Iluminismo do século XVIII. Muitos dos então chamados “filósofos”, como Voltaire, pensavam que a Cristandade medieval fora apenas uma vil superstição.
Para eles as Cruzadas foram uma migração de bárbaros devida ao fanatismo, à ganância e à luxúria.
A partir desse momento, a versão iluminista sobre as Cruzadas entrou e saiu de moda algumas vezes.
As Cruzadas receberam boa imprensa e foram consideradas como guerras de nobreza (mas não de religião) durante o Romantismo e até o início do século XX.
Depois da Segunda Guerra, contudo, a opinião geral voltou-se decisivamente contra as Cruzadas. Na esteira de Hitler, Mussolini e Stalin, os historiadores concluíram que a guerra por motivos ideológicos – seja qual for a ideologia em questão – é abominável.
Esse sentimento de aversão foi resumido por Steven Runciman nos três volumes do seu livro “A History of the Crusades” (“Uma História das Cruzadas”, 1951-1954).
Para Runciman, as Cruzadas foram atos de intolerância moralmente repugnantes praticados em nome de Deus. Os homens medievais que brandiam a cruz e marchavam rumo ao Oriente Médio eram ou perversos cínicos, ou avarentos vorazes, ou crédulos ingênuos.
Esse livro, aliás literariamente bem escrito, tornou-se logo o padrão: com esse único golpe, Runciman conseguiu definir a moderna visão popular sobre as Cruzadas.
A partir de 1970, as Cruzadas receberam a atenção de centenas de pesquisadores, que as esquadrinharam meticulosamente.
Como resultado, sabemos hoje muito mais a respeito das guerras santas da Cristandade do que jamais soubemos.
Contudo, os frutos de décadas de pesquisa histórica só lentamente vão penetrando nas mentes do grande público. Isso se deve em parte aos próprios historiadores profissionais, sempre propensos a publicar estudos que pela sua própria natureza exigem uma linguagem muito técnica, de difícil compreensão para quem não é especialista.
Verdadeira Cruzada: empresa religiosa militar convocada pelo Papa.
Contribui também para essa situação a clara relutância das elites contemporâneas em abandonar a visão “runcimaniana” das Cruzadas.
Sendo assim, os livros populares sobre o tema – livros que as pessoas continuam querendo ler, apesar de tudo – tendem a repetir a conversa de Runciman.
O mesmo vale para as outras mídias, como o cinema e a televisão. Um exemplo é o documentário As Cruzadas, uma produção da BBC/A&E de 1995, estrelada por Terry Jones.
Para dar um certo ar de autoridade ao que mostravam, os produtores intercalaram as cenas com entrevistas a importantes historiadores das Cruzadas, que expressavam suas opiniões sobre cada evento retratado.
O problema é que os historiadores de hoje discordam das ideias de Runciman. Mas os produtores não se importaram com isso: simplesmente editaram as gravações das entrevistas, selecionando fragmentos e sequências que, uma vez montados, davam a impressão de que os historiadores concordavam com Runciman.
Um deles, o Dr. Jonathan Riley-Smith, veio dizer-me depois, num tom irado: “Eles me mostraram dizendo coisas nas quais eu não acredito!”
Mas afinal, qual é a verdadeira história das Cruzadas?
Como o leitor pode imaginar, trata se de uma longa história. Mas existem muitos bons historiadores que ao longo dos últimos vinte anos vêm colocando as coisas no seu devido lugar.
Por agora, tendo em vista o bombardeio que as Cruzadas vêm recebendo atualmente, o melhor será esclarecer justamente o que as Cruzadas não foram.
Enumeramos a seguir alguns dos mitos mais comuns, dizendo por que eles são falsos.
(Autor: Thomas F. Madden. Fonte: Ignatiusinsight.com)
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