A tourada e a caça avaliada pelos Papas, Prelados e a Lei Natural
Do livro "O Príncipe dos Cruzados" (volume 2).
Antes de mostrarmos a opinião da Igreja Católica nestas questões, faremos um breve raciocínio para refutar objeções.
Na Doutrina Católica é permitido matar animais, no entanto não por sadismo na morte ou sofrimento do animal, mas por uma razão justa. No caso dos animais que às vezes são mortos até brutalmente para melhorar a sua carne a razão é óbvia: o alimento.
No caso da caça e da tourada o motivo para matar os animais é: o divertimento ou eutrapelia advinda da participação humana nestas atividades (e não de um sadismo gozador do sofrimento do animal), as quais promovem a contemplação do belo, e subsistem em uma cosmo-visão cristã.
Objeção 1: Se é possível matar animais pelo divertimento que uma atividade lúdica proporciona, poderíamos matar nosso cachorro ou um animal qualquer sem dono, por exemplo, como uma espécie de caça.
Só será possível dentro do contexto. O animal tem como finalidade servir ao homem, mas serve ao homem de diversas maneiras. O cavalo, por exemplo, serve como animal de carga.
Outros exemplos podem ser dados: os cachorros e gatos servem para companhia e guarda da casa, portanto não podem ser mortos por divertimento em um jogo qualquer, mesmo se ainda não foram adotados. Outros animais em geral servem para alegrar o ambiente, como certas aves e certos primatas, que alegram por elementos como beleza e canto. Matá-los, mesmo no caso de invasão e furto de comida por parte de primatas, coisa que ocorre em locais próximos de floresta, é injusto. Só o seria se estes primatas ou outros animais em outra situação fossem perigosos na sua invasão para os homens, crianças e animais domésticos (que poderiam travar uma briga ocasionando a morte de um deles).
As caças e os touros de tourada servem exatamente para a finalidade de proporcionar a caça e a tourada para o homem.
Alguns ainda alegam que matar animais dentro de uma atividade lúdica é pecado intrinsecamente mas apoiam a caça, mas se a alegação fosse verídica, eles deveriam condenar a caça, porque algumas são liberadas mesmo não fazendo a diferença se ninguém fosse caçar, isto é, não são legalizadas por causa de uma necessidade de controle da reprodução daquele animal, embora alguma hora, se ninguém for caçar, talvez isto torne-se necessário.
Objeção 2: O touro e a caça existem unicamente para o alimento ou para auxiliar na reprodução dos animas que servem de alimento, ou seja, não devem passar por sofrimentos desnecessários para a obtenção daquela carne na sua melhor qualidade.
Na verdade, alguns touros e caças existem e são criados e protegidos exatamente para a finalidade das touradas e caças. De outro modo nem existiriam, ou seriam mortos por armadilha ou execução sem capacidade de luta, sem poder colocar seu instinto animal em cena, ou seja, sem poder alcançarem de modo mais pleno aquilo para que nasceram: lutar e servir ao homem. De certo modo estas práticas poderiam até promover uma seleção natural, se se separarem os touros mais valentes e caças mais ágeis para se reproduzirem. O que favorece o homem também.
Muitas vezes a carne do touro e da caça servem de alimento, além de caça e tourada. Então estes animais passam a ter dupla finalidade.
Objeção 3: A tourada e a caça não são divertimentos genuínos nem subsistem em uma cosmo-visão cristã porque não se deve divertir-se, como católico, com os sofrimentos do animal, nem contemplar a arte quando ela passa um conceito moralmente reprovável.
Ninguém se diverte com os sofrimentos do animal. Isso seria sadismo, e sim ilícito. Se fosse verdade, a tourada seria um touro amarrado sofrendo choques, pancadas e as torturas mais horríveis de frente ao público e o mesmo seria com a caça.
No caso da obtenção de comida, ninguém acusa os açougueiros e empresas de carne de se divertirem com o sofrimento dos animais que por vezes é necessário para melhor obtenção da carne. Isto porque ali é evidente que nenhum deles procura aquilo, mas sim a carne. Do mesmo modo na tourada e na caça se procura as finalidades da atividade lúdica: a distensão, a habilidade, a contemplação, a vitória.
Ambas as atividades estão inseridas no contexto de um jogo, e em um jogo existe vencedor e vencido. A diversão vem de ver vencido a caça e o touro (querer o oposto é pecado, é desejar a morte de um homem contrariando o mandamento de Deus).
O manejo das armas, a capacidade de cálculo, a agilidade, são características comuns de ambas as atividades que desenvolvem a habilidade, o raciocínio e a percepção, apesar dos meios serem diferentes. Isto, alinhado ao jogo, faz deles um tipo de divertimento.
A cosmo-visão cristã está inserida nas seguintes características (de modo análogo pode ser dito da caçada):
Anti-Materialista: Na vitória do espírito sobre a matéria, como um alpinista que vence uma montanha, é o toureiro que derrota o touro, representante da matéria.
Anti-igualitária: Coloca o touro em lugar de servidão e abaixo do homem, mostrando a hierarquia do universo, que é católica e monárquica.
Anti-desarmamentista: Na caçada se louva a cultura das armas e na tourada o armamentismo é implícito no espírito dela.
Valores de alma: heroísmo, valentia, inteligência.
Também a cosmo-visão está inserida na contemplação do belo que se dá nas atividades: O toureiro possui roupas esteticamentes admiráveis, com armas bonitas, sem contar a beleza do animal, o vigor dele e dos cavalos. No caso da caça a beleza vem do animal abatido, junto com contato com a natureza travado pelo caçador.
Em suma, a tourada e a caça refutam uma visão de mundo materialista, igualitária, vegana, individualista (anti-heróica), desarmamentista e vitimista.
-Os Papas da Santa Igreja e teólogos sobre a tourada
Foi proibida no começo, mas liberada depois para o Reino das Espanhas. O que mostra que não é intrinsecamente má ou contra a Doutrina Católica como alegam os repudiadores de tal atividade lúdica. A razão pela qual foi proibida era o perigo para os homens, como fica evidente nos textos abaixo.
O Reino das Espanhas incluía Portugal e colônias, onde hoje ainda se vê touradas, embora os países tenham se tornado independentes. É importante notar que a legalização se aplicava para aqueles locais, indiferente da organização governamental de lá, as quais só foram citadas porque eram assim conhecidas na época.
São Pio V (1566-1572) proibiu as touradas
"proibimos terminantemente por esta nossa Constituição, que estará vigente perpetuamente, de baixo de pena de excomunhão e de anátema em que se incorrerá pelo feito mesmo (ipso facto), que todos e cada um dos príncipes cristãos, qualquer que seja a dignidade de que estejam revestidos, seja eclesiástica ou civil, incluso imperial ou real ou de qualquer outra classe, qualquer que seja o nome com o qual os designe ou qualquer que seja sua comunidade ou estado, permitam a celebração destes espetáculos em que se correm touros e outras feras em suas províncias, cidades, territórios, praças fortes, e lugares onde se leve isto a cabo.
Proibimos, assim mesmo, que os soldados e quaisquer outras pessoas ousem enfrentar-se com touros ou outras feras nos citados espetáculos, seja a pé ou a cavalo.
E se algum deles morrer ali, que não lhe seja dado sepultura eclesiástica" [1].
Gregorio XIII (1572-1585) levantou esta proibição para os leigos
"§.2. Nós, aceitando as súplicas do Rei Felipe, humildemente apresentadas, por nossa autoridade Apostólica, e sobre a base desta, suprimimos e deixamos sem efeito as penas de excomunhão, anátema e interdito, assim como outras condenações e censuras contidas na Constituição de nosso predecessor Pio, nos citados Reinos das Espanhas, mas somente em relação ao leigos e aos irmãos militares, de qualquer Ordem militar, incluso aos que obtem encomendas e benefícios dessas Ordens militares temporalmente; Contanto que os mencionados irmãos militares não tenham recebido alguma das Sagradas Ordens e que não se celebrem as touradas em dias de festas” [2].
Sixto V (1585-1590) reafirmou a autoridade da Bula de S.Pio V e sua revogação em parte por Gregório XIII em uma carta para um bispo
"O Papa Pío V mediante sua Constitução válida perpetuamente, proibiu os espetáculos taurinos e proibiu, também, tanto os leigos como os clérigos seculares e regulares de qualquer Ordem, que tomassem parte nos ditos espetáculos e jogos públicos, baixo de determinadas penas contidas na mencionada Constitução. Mais tarde, o Papa Gregório XIII de piedosa memória, assim mesmo predecessor nosso, declarou, por meio de Letras Apostólicas redatadas por ele, que a citada Constituição e as penas contidas nela eram aplicáveis aos clérigos tanto seculares como regulares, mas não aos leigos e aos militares, qualquer que fosse a Ordem militar a que pertencessem, sempre que não houvessem recebido alguma das Sagradas Ordens, tal como se estabelece (...)
Concedemos a vossa Fraternidade em qualidade de Delegado nosso e da Sede Apostólica, livre facultade e autoridade para, em virtude da autoridade Apostólica, advertir, ordenar e mandar tanto aos citados preceptores que não ensinem ou afirmem nada em contra da Constituição e Letras citadas, como a todos os clérigos compreendidos nas Letras de nosso predecessor Gregório, que não ousem nem se atrevam a tomar parte, de qualquer modo que seja, nas corridas e espetáculos mencionados" [3]
Clemente VIII (1592-1605) fez o mesmo
"Havendo chegado a conhecimento de nosso predecessor Pío V, de feliz memória, que destes combates e espetáculos surgiam frequentemente perigos não só para o corpo, senão também para a alma, preocupado com a saúde da grei do Senhor, para fazer frente a estes perigos na medida de saus possibilidades con a ajuda de Deus, havia proibido mediante sua Constituição perpétua, a todos e cada um dos Príncipes Cristãos e a outras pessoas mencionadas na dita Constituição, de baixo de pena de excomunhão e anátema nas que se incorria ipso facto os que permitiam a celebração desta classe de espetáculos nos quais se correm touros e outras feras (...).
Mais tarde, nosso predecessor Gregório XIII, de piedosa memória, aceitando aos rogos de nosso filho muito amado em Cristo, Felipe, Rei Católico das Espanhas, o qual havia elevado súplicas movido pelo proveito que reportavam a seus Reinos as touradas, derrogou (o Papa Gregório) e deixou sem efeito as penas de excomunhão, anátema e outras condenações e censuras contidas na Constituição de nosso predecessor Pio, e os reinos das espanhas, mas em relação aos leigos e aos irmãos militares de qualquer Ordem militar, e aos que haviam obtido temporalmente encomendas e benefícios das mesmas Ordens militares, com o que os mencionados irmãos militares não tivessem recebido alguma das Sagradas Ordens nem se celebrassem as touradas em dias de festa e de que aqueles a quem deveria, tomassem medidas para evitar, no possível, que se seguisse do espetáculo a morte de alguma pessoa" [4].
Unanimidade dos teólogos diz que a tourada não é contra a lei natural
Segundo a Catholic Encyclopedia: "Moralistas como uma regra são da opinião que a tourada como praticada na Espanha não é proibida pela lei natural, visto que a habilidade e destreza dos atletas impede o perigo imediato de morte ou de lesão grave" (cf. P.V, Casus conscientiae, Vromant, Brussels, 1895, 3d ed., I, 353, 354; Gury-Ferreres, Comp. Th. mor., Barcelona, 1906, I, n. 45) [5]
-Os Papas da Santa Igreja sobre a caça
IV Concílio de Latrão (1215)
"Nós interditamos a caça e falcoaria para todos os clérigos" (Can. xv). Ou seja, não foi proibida para todos, mas só para os clérigos.
Concílio de Trento
"Que os clérigos se abstenham de caça ilícita e falcoaria" (Sess. XXIV, De reform., c. xii). Ou seja, há uma caça lícita.
Pio XII (1939-1958) louva o Conselho Internacional de Caça
"Vous préservez en réalité de précieux éléments du patrimoine de l'humanité (vós preservastes em realidade preciosos elementos do patrimônio da humanidade)" [6].
Bento XIV (1740-1758)
Segundo a Catholic Encyclopedia, "é certo que um Bispo pode proibir absolutamente toda a caça aos clérigos de sua diocese. Isto foi feito por sínodos em Milão, Avignon, Liège, Colônia, e outros lugares. Bento XIV (De synodo diœces., l. II, c. x) declara que tais decretos sinoidas não são muito severos, sendo uma absoluta proibição da caça mais própria para a lei eclesiástica. Na prática, portanto, o status sinoidal das várias localidades precisa ser consultada para descobrir se é permitido caça silenciosa ou se toda caça é proibida" [7]
-Aos clérigos é permitido participar em touradas ou na caça?
Pelos textos acima mostramos como não lhes é permitido assistir ou tomar parte em touradas.
Abaixo vemos como para eles não é permitido igualmente caçar ou impunhar qualquer arma exceto em caso de temor. Também não é permitido assistir nestas atividades, visto que não se coadunam com o estado do clérigo.
IV Concílio de Latrão (1215), Const.16
"Os clérigos não podem exercer cargos seculares nem administrar assuntos temporais, sobretudo se são desonestos; não devem assistir a sessões de pantomimas, trovadores ou atores; que se abstenham de visitar tabernas e hotelarias salvo necessidade em caso de viagens; que não joguem dados ou jogos de azar, e que não sejam tampouco espectadores destes jogos" [8]
Código de Direito de Canônico de 1917 diz que os padres só podem levar armas em caso de temor
"Evitem os clérigos tudo quanto não convenha à dignidade do seu estado de vida: não exerçam artes indecorosas, nem se entreguem a jogos de azar envolvendo dinheiro; não levem consigo armas, a não ser que haja uma justa causa de temor; não se devotem à caça, no caso das barulhentas; não entrem em tabernas ou lugares semelhantes sem necessidade ou justa causa, segundo o parecer do Ordinário do local" (Codex Iuris Canonici 1917. Can. 138)
S.Tomás de Aquino ensina que aos clérigos não é lícito matar
"Aos clérigos não é lícito matar, por dupla razão. Primeiro, porque são escolhidos para o serviço do altar, no qual se representa a paixão de Cristo imolado, 'que ao ser espancado, não espancava' (1 Pd 2, 23). Portanto, não compete aos clérigos espancar e matar. Pois os servos hão de imitar o seu senhor, como se diz em Eclo 10, 2: 'Qual é o juiz do povo, tais serão os seus ministros'.
A outra razão é que aos clérigos se confia o ministério da Nova Lei, que não comporta pena de morte ou mutilação corporal. Assim, para serem 'ministros autênticos da Nova Aliança', devem abster-se de tais práticas" [9].
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[1] "De Salutis Gregis Dominici", 1 de Novembro de 1567, Bullarum Diplomatum et Privilegiorum Sanctorum Romanorum Pontificum Taurinensis editio», tomo VII, Augustae Taurinorum 1862, páginas 630-631
[2] 25 de agosto de 1575, Encíclica “Exponi nobis”
[3] Papa Sixto V: Breve “Nuper Siquidem”(1586). Traduzida do texto latino: Ioannis Marianae e Societate Iesu. Tractatus VII. Pp. 182 - 183.
[4] Bula “Suscepti Muneris”, 1596
[5] Amadó, R.R. (1908). The Spanish Bull-Fight. In The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company. Retrieved June 4, 2015 from New Advent: http://www.newadvent.org/cathen/03051a.htm
[6] Papa Pio XII, Discurso aos participantes do Conselho Internacional de Caça, 12 de dezembro de 1957. Disponível em: Aux participants au Conseil international de la chasse (12 décembre 1957) | PIE XII
[7] Fanning, W. (1910). Canons on Hunting. The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company.http://www.newadvent.org/cathen/07563c.htm
[8] Beatriz BADORREY MARTÍN, “Los sínodos diocesanos medievales y las fiestas de toros”, em IV Jornadas de Historia na Abadía de Alcalá la Real, págs. 15-42, Jaén, 2003; ref. nas págs. 20-22
[9] Suma Teológica, II-II, q. 64, a. 4
O Príncipe dos Cruzados: A tourada e a caça avaliada pelos Papas, Prelados e a Lei Natural
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